sexta-feira, 4 de março de 2022

" AS MÃES DA UCRÂNIA "


A

Amanheceu um sol envergonhado no meio de nuvens dispersas empurradas por vento desabrido, sobre um céu azul por detrás.  São novelos brancos, como se de algodão fossem.
Alguns chuviscos em desacerto, anunciam uma Primavera prematura que espreita anormalmente, já faz tempo.

Mais um dia de guerra.  Mais um dia de mágoa, tristeza, uma angústia mortal com tanto sofrimento e dor, que todos os que estão lá longe, no meio das balas, dos bombardeamentos, da destruição e das chamas, vivem por cada dia, na incerteza do momento seguinte.
Sim, porque a vida faz-se ao instante !
Eu ando por aqui, deambulando pelo emaranhado das notícias, das imagens, de toda a informação que circula nos meios de comunicação social, pela televisão prioritariamente, pela internet também.  As notícias são veiculadas em tempo real e não conseguimos abstrair das mesmas.
Lembro os tempos iniciais da Covid, em que doentiamente, reconheço, vivia pendurada também, de tudo o que ia chegando.  Lembro o medo que sentia, o pavor pelo desconhecido que o futuro nos reservaria, o cerco que nos mantinha reféns dos acontecimentos, dos riscos, dos perigos ...
Era também uma "guerra" contra um inimigo quase desconhecido e invisível.  Mas apesar disso, parecia mais controlável, pois dependia muito das posições, dos cuidados, da prudência, em suma, da consciencialização de cada um de nós, face ao cataclismo.
Também havia um país em comunhão, um continente em comunhão, o Mundo inteiro em partilha de esforços, de entreajuda, de solidariedade.

Mas a guerra que se trava na Europa centro-leste é muito mais atroz, mortal e injusta.  Independe dos esforços das vítimas para a conter, não obedece a nenhuma razoabilidade, sai de cabeças alienadas e psicóticas ... de loucos alucinados e assassinos.  É gratuita, persecutória, é unilateral e subjuga um país que, por buscar um modelo de liberdade e democracia para a sua vida, parece incomodar o vizinho, que se sente fantasiosamente ameaçado e age loucamente, duma forma déspota e bárbara ...
A sanidade mental de Putin e seus coadjuvantes está claramente afectada, pois só alguém desequilibrado, alucinado e incontrolavelmente louco, pode percorrer estes caminhos irreversíveis de violência e crime ...

Esta noite sonhei uma vez mais com a minha mãe.  Sonho quase todas as noites.  
Nos sonhos eu nunca "vejo" as pessoas, só as "sinto".  Sei que estão ali, reconheço as suas presenças, mas infelizmente nunca lhes defino os rostos.
A minha mãe estaria destroçada com tudo o que se vive, com a angústia da incerteza dos tempos vindouros, mas sobretudo com a dor e o sofrimento da população civil, mormente os velhos, as mulheres e sobretudo as crianças ... sobretudo as mães ...  
É uma dor de alma sem tamanho, é um aperto no peito, um nó na garganta e lágrimas incontidas que nos escorrem pelo rosto a cada nova notícia, a cada novo relato, a cada nova imagem.

As "mães" da Ucrânia, emocionam-me, enternecem-me, deixam-me perplexa e rendida.
Falando há dois dias com uma família ucraniana amiga, radicada em Portugal há mais de vinte anos, quando lhes manifestei o meu apreço e admiração pela forma como o seu povo corajosamente enfrenta e atravessa o caos do seu país ... diziam-me, revoltados :" somos um povo pacífico, trabalhador, honesto e muito paciente, mas os nossos valores e a nossa terra, são intocáveis !  Vamos defendê-los até ao fim !"
Essa bonomia, resiliência e força interior transparecem nos rostos. A coragem e a esperança acendem-lhes os olhos, quase sempre azuis.  São pessoas contidas, raramente deixam fugir uma lágrima das que teimosamente lhes assomam, denunciadas pelo embargo da voz. 
Percebe-se serem almas sofridas e doídas que enfrentam o perigo, a dor física, a dificuldade, a falta de tudo ... mas também o desconhecido, a perda das referências, a perda do seu chão, as suas casas, o seu trabalho, os afectos ... a vida !
São mulheres que têm que escolher dolorosa, violenta e desumanamente ... entre os que ficam e os que levam.  Entre os pais idosos e vulneráveis, os maridos, companheiros, namorados ( que ou são obrigados a ficar p'ra lutarem, ou simplesmente se recusam já a  deixar a terra que é a sua ) e que deixam para trás, e os filhos, que têm que ser poupados custe o que custar ...
E fazem-se ao caminho, apesar do risco, do medo, da exaustão, pelas estradas, em comboios apinhados, em autocarros incertos, com "pencas" de crianças entre os braços e os colos. As suas e as dos outros, que lhas entregaram à guarda.
Há que salvá-las do genocídio !!!
E finalmente, nos vidros das carruagens é depositado um último beijo, daqueles que na gare vão olhando o comboio que se esbate na distância ...
Haverá um amanhã ?  Haverá um reencontro feliz ... ou será apenas um último adeus ??!!

Cá fora, o frio é gélido ! A neve teima em cair implacável ... "vai ficar tudo bem !" sussurra-se ... um carinho, uma festa, um afago nos rostos assustados ... "vai ficar tudo bem !"...

Lembrei a  Guerra Colonial ... as "mães" da Rocha do Conde de Óbidos ... Lembrei a Argentina ... as "mães da Praça de Maio" ...

Sempre soube que a coragem, a esperança, a força, a fé e a abnegação, têm em todo o mundo, rosto de mulher ... muitas e muitas vezes, rosto de MÃE !!! 😭😭😭












Anamar

1 comentário:

Anibal disse...

As Mães, cujos filhos são enviados para a guerra. São sem dúvida quem consegue parar as guerras.
Interrogo-me que lavagem ao cérebro levam a que algumas apoiem a guerra, como na televisão vi uma , dizer que Putin nos está a proteger.