segunda-feira, 21 de março de 2022

" A PRIMAVERA NOS CORAÇÕES DE KIEV "



O mês de Março está beirando o fim.  
O tempo que tem persistido teimosamente em se manter seco, ensolarado ... primaveril, como "soi dizer-se", afinal, com a chegada do equinócio da Primavera, cobriu-se de nuvens e abriu as torneirinhas lá de cima com um fim de semana a convidar a casa e lareira. A semana que hoje se iniciou promete igualmente continuar chuvosa.

A Primavera portanto, ao contrário do que aprendi nos bancos da primária como sendo data certa, não chegou este ano a 21 mas sim a 20, pelas três e meia da tarde.  Já cá canta portanto, há mais de vinte e quatro horas.  Isto, no domínio do científico, pois a Natureza, essa sim, mercê da amenidade do clima que se tem feito sentir, há muito a anunciava.  As flores, os pássaros, a multitude de manifestações de uma renovação bem evidente por todo o lado, não deixavam margem para dúvidas .  A vida a continuar, a renascer, a desabrochar da escuridão, do ensimesmamento, do silêncio e da hibernação a que a estação anterior a votara. 
É sempre emocionante ver como a paisagem se altera de um dia para o outro.  É fantástico e deslumbrante assistir ao engalanar das árvores e arbustos com pequenas folhas verdes promissoras, generosamente vestindo os ramos esquálidos ainda há bem poucos dias atrás.  É extasiante assistir à explosão de cores na floração de toda e qualquer humilde plantinha ... 
Haja o que houver, há que continuar ... parece ser a eloquente mensagem da Vida !...

Hoje também se comemora o Dia Mundial da Árvore e da Floresta, Dia Mundial da Poesia e igualmente da Luta contra a Discriminação Racial.  Todos eles, segmentos de um objectivo maior e universal, o respeito e a dignificação do ser humano no quinhão de terra onde vive e com quem o divide.

Por árvore, por floresta, por respeito pelo nosso semelhante e por poesia ... a poesia que nos envolve e deve envolver nos dias das nossas existências ... por toda esta mescla de sentimentos que se atropelam e misturam sem ordem ou rumo,  veio-me à ideia a inesquecível frase com que Palmira Bastos fechava o palco na inesquecível peça "As árvores morrem de pé" ... "morta por dentro, mas de pé, de pé, como as árvores"...
E obviamente não é estranha a esta memória a simbologia da Ucrânia, do povo ucraniano e em última análise, do seu presidente ... o resistente e sonhador Zelensky.
Falta-lhe na mão a bengala com que Palmira, batendo no soalho do Avenida, erecta, invencível,  inabalável,  numa  voz  tonitruante,  gritava  " ... porque  as  árvores  morrem  de  pé !"...

Assim a Ucrânia.  Assim o seu povo.  Assim a admiração crescente e indómita que nutro por aquela gente.  Um povo inteiro, uno, de cabeça erguida, de coragem e valor ... um povo que não se verga e que na tempestade encara o vento de frente ... que não aliena a esperança e que do sofrer faz renascimento, como cada Primavera ...

Em Kiev, na precariedade de condições de segurança e no olho de um furacão de medo dos bombardeamentos e explosões que se intensificam, setenta voluntários, na praça central, junto à Catedral de Sta.Sofia ( na maioria, mulheres ), construíram, com mais de um milhão de tulipas, o Tridente Ucraniano Tryzub, símbolo cultural e identitário que consta no brasão de armas do país.
O Tridente é uma representação com significância religiosa, militar e política.
Do ponto de vista religioso, foi introduzido na Ucrânia pelo príncipe Vladimir, no século X, aquando da introdução do cristianismo no país. Representa a Santíssima Trindade.
Política e militarmente é igualmente um símbolo representativo de poder, autoridade e força.

E porque na Ucrânia é tradição, no dia da chegada da Primavera os homens oferecerem flores às mulheres, este tridente agora desenhado em tulipas no chão de Kiev, pretende, desafiadoramente, representar uma indomável celebração espontânea da esperança e uma justa homenagem aos que combatem e à paz que se anseia e acredita alcançar...
... porque até no horror da guerra a poesia pode sempre  iluminar o coração do Homem !

   

Imagem da Internet - Um pardal segura um pedaço de pão num parque de Kiev, no primeiro dia quente de Primavera na Ucrânia.

Anamar

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