sábado, 25 de setembro de 2010

"A PASSAGEM"



Os animais morrem com os olhos abertos.
Creio que os humanos também....Isso disse-me o veterinário quando eu me despedia do Óscar, há um ano, e tinha urgência em lhe fechar as pálpebras...

Com as pessoas é igual, ao que parece. Felizmente não fui ainda confrontada com essa realidade. Mas logo alguém, por perto, lhe coloca a mão nas pálpebras e lhe cerra os olhos, antes que passe tempo demais....

A Lena hoje não foi à caminhada. Tanto melhor para ela.
A meio do percurso, como quem dorme a sesta, estava entre  sol e sombra, um gatito todo preto, com a ponta das quatro patas brancas.

Estaquei....estaria mesmo a dormir, como tanto gostam? Baixei-me e os seus olhos estavam entreabertos.
No corpo o sinal do rodado dum carro, embora parecesse incólume.
Perscrutei-lhe os batimentos cardíacos...não tinha. Estava absolutamente exangue, e no entanto, ainda morno, constatei.
Olhei-lhe a expressão inerte....
Por que será que temos tanta pressa em fechar os olhos aos mortos? -pensei
Será porque nos culpabilizamos inexplicável e psicologicamente,  por eles partirem, e nós ainda por cá ficarmos?
Será para, sobretudo no caso dos animais, indefesos, fiéis, dedicados, não ficarmos com a sua expressão de doçura mesmo nessa hora, gravada nos nossos corações?
Será para que os seus olhos, que nos suplicam ajuda, não fiquem incrédulos de os não salvarmos....e isso, nós não aguentamos??
Será que uma vez mais, não conseguimos sair de nós, e por cobardia, defesa, comodidade, evitamos confrontar-nos com a maior e mais certa realidade da Vida....a Morte?

Deveríamos deixar morrer os nossos entes queridos (pessoas ou animais), morrerem podendo, se o quisessem, a olhar para nós, talvez dessa forma, lhes amenizássemos a "passagem"!....

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Às vezes penso que era bom "embarcarmos" para a morte como quem "embarca" para o sono depois de um dia de satisfação e natural cansaço, mas a verdade é que depois que pessoas realmente queridas e chegadas já partiram pressinto essa viagem, se consciente, como qualquer coisa de inquietante, para não dizer aterrador, em vez de algo semelhante a uma viagem de férias, para sítios que ainda não conhecemos, mas que despertam curiosidade...

Malmequer

anamar disse...

Olá Malmequer
Eu penso que aquilo a que eu chamo "passagem" será sempre, pelo menos terrífico e assustador, como aqueles dias de nevoeiro em que um palmo à nossa frente já não distinguimos o que existe, que tanto pode ser um campo de malmequeres como um precipício ou ravina...
Acho que o ideal mesmo (e por isso toda a gente o desejaria se pudesse), seria adormecer como qualquer noite aconchegante na nossa cama, e"partir" durante a noite...sem nos apercebermos sequer nem da viagem, nem do destino!!!
Um beijinho
Anamar