sexta-feira, 3 de setembro de 2010

"PORQUÊ?...

Só queria ser igual à minha mãe...
Mas não, os genes dela não passaram seguramente para mim...

Como já aqui disse algumas vezes, é uma senhora de quase noventa anos, que vive sozinha, numa vivenda rodeada de relva, flores e árvores, com uma piscina...dantes, com o Gaspar.
Infelizmente o Gaspar, dia 10 de Janeiro deste ano, cometeu a "injustiça" de a deixar...e morreu antes dela, coisa que ela pediu que não viesse a acontecer nunca... Ficou, portanto, mais só.
Como a vivenda é na margem sul, e não exactamente à mão de semear, vou vê-la, não com a frequência, se calhar que podia e devia...mas é a vida...

Temos uma empregada comum, há largos anos, que serve de "pombo correio" entre as duas, e que tem por ela um carinho muito especial, porque a tem como a avó que a criou, lá na Ucrânia tão distante.
Tem de facto um desvelo e preocupação com a minha mãe, inexcedíveis, que não são os bens materiais que pagam. Felizmente não vive longe dela, e é duma solicitude comovente.
Telefonicamente, contactamo-nos, obviamente mais que uma vez por dia.

Dantes, a minha mãe falava o dia inteiro com o Gaspar, que a entendia lindamente e lhe respondia ao "jeito dele"...tinham uma linguagem de cão, perfeitamente perceptível. Dele, tinha carinho, dele tinha companhia, dele tinha compreensão.
Quando por vezes chorava e se fechava no quarto, o Gaspar deitava-se à porta e gemia até que a dona de lá saísse, e olhava-a com um ar compassivo, triste e cúmplice, como que a querer dizer-lhe: "Que é feito da garra da minha dona??!!...Deixa-te disso!!!" - e lambia-lhe até as lágrimas, se teimosas, elas rolavam...

A minha mãe é de amores únicos. Depois do Gaspar não quer, nem é capaz de ter substitutos...

Hoje, acho que fala com as flores, porque conhece cada borboto que abriu e floriu, cada buganvília que se "queixa" da falta de sol, conhece o vento que abana os pinheiros e desfolha as árvores, e ciranda por ali todo o santo dia, nos mais de mil metros quadrados de casa.
Ela varre, ela lava, ela estende, ela rega diariamente as plantas onde a rega automática não chega, como se fossem bocas sequiosas, porque... "coitadinhas", o calor é muito, ouve os programas de rádio desportivos, porque o seu Sporting é sagrado, e todo o futebol faz parte do seu quotidiano, os telejornais, uma só novela, e nada mais...porque "a televisão só dá porcarias e desgraças"!!!!

Pelo calor ou pela chuva no Inverno, faz renda...catadupas de naperons para cozinhas inexistentes, porque a família já foi toda contemplada, e não há mais cozinhas que os comportem, com linha grossa (porque os olhos já não permitem mais), com as fotografias do "seu Gaspar" sempre junto dela, no sofá...

Levanta-se mal o dia espreita. Agora no Verão, às 6h da manhã está a pé (resquícios da vida no seu Alentejo distante, em casa dos pais), e depois de quase não parar todo o dia, antes das 9 está na cama...

Levanta-se, vai para a piscina, onde faz uma hidroginástica que inventou, para a ajudar na manutenção dos movimentos ( a minha mãe fracturou há talvez 5 ou 6 anos as duas pernas, com três fracturas, o que me adivinhava o fim...).
Depois, faz ginástica, aos braços e ombros, toma o seu duche quente e pronto, está pronta para mais um dia "de trabalho"....

A minha mãe tem uma disciplina, uma persuasão, uma força de vontade e um objectivo utópico e quase infantil....poder acompanhar o crescimento dos bisnetos...
Não quer morrer de forma nenhuma...eu acho mesmo que só irá, se a apanharem distraída!!!

Uma destas noites em que estava com insónia, pelas 4 h da manhã, levantou-se, olhou pelos vidros e viu um luar lindíssimo, de uma lua cheia que iluminava todo o jardim, e segundo ela, pensou : "o que vou eu fazer para a cama, se não tenho sono, e a lua está tão linda???!!!".....

Nessa noite, iniciou os "trabalhos" mais cedo....
Foi para a piscina, fez a ginástica, varreu todas as folhas tombadas durante a noite, como sempre, tomou o seu duche, e então.....o sol começava finalmente a acordar!!!...

Por que é que que eu não sou igual à minha mãe????!!!!

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Adorei o que escreveste sobre a tua mãe.Ela é uma força da natureza. Sei que é um lugar comum isto de dizer-se ser uma força da natureza... mas não encontro melhor maneira de expressar o que senti ao ler a descrição que dela fazes.
um beijinho.
Merryl.

anamar disse...

Obrigada Merryl
mas aquela minha mãe é mesmo assim....não dou conta dela!!!
Um desassossego.....deixá-la andar enquanto puder, quiser e tiver discernimento, eu acho...
Um grande beijinho para ti
Anamar