domingo, 24 de outubro de 2010

"E SE TIVESSE SIDO DIFERENTE?..."

Faz hoje quarenta anos que me casei.
A primeira, a única, a última vez...
Era um sábado outonal, como hoje, de um sol fraco e pouco luminoso, como viria a ser a minha vida, afinal. Era um sábado do "Verão dos marmelos", como diz a minha mãe (depois vem o do S. Martinho, e depois, pronto, o Inverno fica à porta...)

O casamento era às 9,30 h da manhã, no Registo Civil de Oeiras, e até hoje, a sensação mais nítida que recordo, foi a do desconforto que senti (dorminhoca como eu era), de querer que me deixassem em paz, quando a minha mãe, às seis e pouco da manhã me foi acordar, quase me arrancando da cama, porque a cabeleireira vinha pentear-me, havia que vestir-me, havia que preparar coisas de última hora (sabem como é), os convidados (só família e a minha melhor amiga ao tempo), começariam a chegar, havia que recepcioná-los (porque afinal, depois o almoço ainda demoraria por certo), vinha também o fotógrafo...
Acho, que desde sempre, o entusiasmo que pairava, não era meu. Eu afinal tinha dezanove anos, se calhar, objectivamente rectroespectivando hoje, o que seria de esperar de uma criança metida a mulher??

Não vou entrar em pormenores...aliás, não quero entrar, porque fico nostálgica, interrogo-me e questiono-me sobre todo o meu percurso até hoje, passo a película mesmo sem querer, tendo a ponderar tudo e todos; não julgo, avalio, analiso-me e não vejo grande coisa que me aqueça o coração.
Esse casamento cessou há sete anos atrás; tardiamente, demasiado tardiamente, deixando obviamente, danos colaterais inultrapassáveis.
Lembro que foi  um casamento "morno", amorfo, cinzento, sem chama, sem paixão, desde sempre, mesmo desde o início, em que é espectável que a "fogueira" se acenda...

Talvez eu tenha sido a pessoa mais responsável por todo o insucesso de uma infelicidade acompanhada...
Eu era uma criança, filha única numa família de pais velhos, focalizados, obsessivamente focalizados em mim...e eu, tenho, como já perceberam, ânsia de liberdade, necessidade de asas...queria fazer-me ao mundo...aquela, foi a minha forma enviesada de o fazer...

Sempre vivi muito só, com a minha mãe, com uma ou duas amigas, tão crianças quanto eu. "Ninguém me obrigou" como a minha mãe costuma dizer...mas também ninguém me alertou ou falou comigo, como os pais de hoje se preocupam em saber dos sentires, dos estares, dos caminhos razoáveis ou não, a trilhar, por parte dos filhos...

Tenho dentro de mim, hoje, uma tristeza estranha; uma tristeza de perdedora, que dói, que me traz às lágrimas... afinal, eu não soube construir nada na minha vida, e à parte as minhas duas filhas (isso não se questiona, sequer), a  minha rota é de permanente colisão com a Vida.
O que se aproveita hoje na realidade?
Uma família esfrangalhada!! Uma família que duvido faça jus a esse nome!!

O que sobrou na verdade, foi uma profunda solidão;
solidão em mim, solidão e desacerto na vida da minha filha mais nova (que também não se encontra), e uma família talvez unida, da minha filha mais velha, que com três filhos, acabou construindo uma célula à parte, até talvez por defesa, por necessidade, ou porque foi a saída que lhe restou...
E desejo muito que ela, que luta sempre por uma ligação tradicional dos "sobrantes" (sem êxito, a maior parte das vezes), ela, que tentou arvorar-se em "matriarca" desta pseudo "coisa" que restou, pelo menos, no seu núcleo, a consiga manter...

Entretanto, aos "trancos e barrancos", como "soi dizer-se", vou manquejando vida fora, desacertando mais do que acertando, dando topadas que ferem, nas pedras desta estrada demasiado dura e cruel, e por cada ano que chega, acho que o "Verão dos marmelos" e depois o do "S.Martinho" vão acabando mais depressa, levando com eles o último sol, antes que o Inverno se instale, também cada vez mais cedo!!...

Anamar

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