sábado, 14 de maio de 2011

"AO ALCANCE DE UM CLIQUE"

Todos os dias àquela hora vestia o seu melhor vestido, maquilhava-se a rigor, perfumava-se, abria as portadas e esperava.
O Mundo estava à sua frente....Espantoso, como as pulsações se aceleravam, como por vezes um calor gostoso lhe subia...

Procurava uniformizar os diálogos. Não podia ter versões frágeis ou menos convictas. Regredia mais de década na idade, mudava de emprego, passava a ter metas, projectos...sonhos.
Punha-se noutra pele, "montava-se" noutro rosto...
Apenas, porque o coração era o mesmo, o "ar" sofrido, a nostalgia interior de alma, acabavam atraiçoando-a, denunciando para o "outro lado", à sua revelia, um pouco da imagem real que desejava apagar.

Esse era um lado, daquele "dois em um", que atraía muita gente, porque muita gente se identificava com ele, porque muita gente andava sofrendo por aí, andava em silêncio e em solidão pelas esquinas...

Quando soltava sem comportas essas "torrentes" e se punha a nu, deixava suspenso quem lhe admirava o "verbo" fluente, desinibido, quente e cativante, eco de vozes e vozes das noites sem fim...
Porque ela falava do que muita gente não conseguia verbalizar, embora sufocada até à garganta;  porque ela punha dúvidas, inquietações, mágoas, duma forma simples, procurando identificação do lado de lá, miscigenação com os "zombies" das noites sem lua...mas também aconchego, ombro, cólo, calor...

Pelas madrugadas não se regateia o cólo, não se questiona o companheiro de travesseiro, não se escolhe em demasia o ouvinte...sobretudo se o ouvinte nem tem rosto visível...apenas aquele que ela criara na sua cabeça.

Aquela varanda tinha dessas coisas : a construção de imagens sobre imagens, de rostos, de sons, de hálitos, de timbres de voz, de mãos, de cheiros, como num caleidoscópio alucinante, num fractal maravilhoso!
Aquela varanda deixava  que flutuasse pelo éter, sem limites ou fronteiras, apenas regida pelo sonho, apenas comandada pelo instinto, apenas impelida pelo coração!
Era, mas já não era mais ela, anonimamente saltitando de nuvem em nuvem, de estrela em estrela, rodopiando num baile lúgubre, de mãos dadas com os esfomeados de afecto, com os desencantados dos sonhos, com os cépticos dos amanhãs...
 
Por isso, àquela hora, ela sempre vestia o seu melhor vestido para ali assomar.
Jamais sairia dessa varanda...
Se o fizesse, destruiria o fantástico, o imaginário, o extraordinário e incrível que era, ter o Mundo apenas ao alcance do clicar de uma tecla!!...

Anamar

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