quinta-feira, 26 de maio de 2011

"AVULSAS"

Saiu de casa e viu o cachorro ao sol, preso a um banco, com a trela quase a sufocá-lo tantas voltas já dera em desespero, de ali estar só, do calor impenitente, da sede...
Já vinha a ouvi-lo desde casa, antes mesmo de descer à rua. Os seus ganidos já a haviam trazido até junto da janela, para tentar perceber  o que se passava, o que eram aqueles gemidos de aflição.

A revolta avassalou-a, o sol era implacável para quem a ele se expunha, mesmo sendo um cachorrinho.
Estava muito assustado, era demasiado meigo, excessivamente dócil e portanto não reivindicativo.
Tentou desembaraçar-lhe a trela, de início a medo, porque não conhecia a possível reacção; o coração do bicho, o seu arfar, o cansaço do "choro" que o dominava havia tempo e tempo, levaram-no a encostar o seu corpo ao dela, submisso, doce, agradecido...
Trouxeram-lhe água, tentaram localizar o "dono"...um indivíduo completamente "out"....drogas, químicos evidentes, que o impediram de reagir quando questionado...
De novo junto ao dono, o cachorrinho preto dessedentou-se ...e foram embora...

Viu-os seguir e pensou..."até para se ser cão é preciso ter sorte!!..."

Regressou um par de horas depois. No mesmo banco, estavam outra vez, ao sol de mais de 40ºC, agora, dono e cachorro preto.
O dono continuava "pedrado" e não dava pela canícula que se sentia. O cachorro deitado a seus pés, em paz, apesar do calor, apesar da ausência de água, se calhar de comida, se calhar de afecto...

Sempre a maldita "fidelidade canina..."



"Os homens não nos ligam nenhuma!..." - dizia uma à outra, frente a um prato de caracóis, entre dois goles de cerveja bem gelada.

Trabalho terminado por hoje, "portas" encerradas até outro dia repetido a papel químico, amanhã.
Mágoas carpidas à fresca, debaixo das ramagens do Campo Pequeno.
Falavam de tudo e de nada, muito mais de desencanto do que de encanto.

"Estamos nós preocupadas com a celulite, as banhas, os pelos...eles nem vêem!... Iludimo-nos a pensar que podemos contar-lhes as nossas mágoas, falar-lhes dos buracos do coração....eles "pairam" por cima de tudo isso!...
Não é nada disso que os interessa, nada disso que os preocupa, esses não são os "laços" que procuram. Aliás...eles não procuram "laços"!...
As pessoas hoje não querem "correntes". Não há mais "nós", dados com duas pontas bem apertadas. Só há "retalhos", pedaços, peças de puzzles que nunca o serão..."

À medida que a cerveja "subia", a alegria "descia" e uma nostalgia dolente como a tarde fervente, instalava-se.
O olhar de ambas também atraiçoava o que se calhar queriam esconder..."Bolas...é isto a VIDA??!!"...



Esperava no Centro de Saúde que a chamassem para a consulta. Janelas abertas, ar irrespirável, tanto mais, à medida que a "colmeia" enchia.

Na rua, uma caravana eleitoral anunciava-se aos berros, como convém, naquele gasto de gasolina inerente, megafones ao máximo. Música e frases bombásticas a esmo, agressoras dos nossos tímpanos.
Ridículas, no mínimo ridículas...

Perguntou-se: "mas será que esta gente acredita mesmo neste circo? Será que aceitam pacificamente esta forma debilóide, esta figura de palhaços tristes que encarnam??!!
Não haveria maneira de, nesta altura do campeonato, em que o país está de "calças na mão", em que estendemos miseravelmente a mão aos de fora que nada nos são, e por isso nos sentenciam sem dó nem piedade, não haveria maneira (até porque conhecemos as atoardas de tantos outros carnavais), de pelo menos nos pouparem a esta poluição sonora??!!...."

Anamar

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