sexta-feira, 6 de abril de 2012

" O MEU PRÓPRIO CASTELO "


Desapego-me facilmente das coisas, dos bens materiais, até de algum relativo conforto.

Sempre vivi rodeada dele, talvez em excesso, com caminho demasiado atapetado e fofo, que sempre me defendeu das "arestas" da Vida.
Não fui portanto, traquejada a enfrentar grandes dificuldades, reais dificuldades.  Não fui treinada a prescindir de comodidades, a ter que saltar obstáculos, a superar incertezas ou problemas que se prendam com coisas, lugares, ou mesmo dinheiro.

Fui portanto, e hoje então à luz da actualidade, uma privilegiada, sem dúvida !!

Não pedi para ser assim ... foi o meu destino ... foi a minha vida .
Os dados foram sendo lançados, sem que sequer eu tivesse necessidade de congeminar jogadas.  Foi simplesmente sendo assim, e ponto !

A minha vida já é relativamente longa ; talvez, em muito boa perspectiva, já tenha vivido dois terços da mesma.
As vidas não são mais do que cursos de água, que vão correndo de nascente a juzante.
O caminho ... absolutamente imprevisível.  Imprevisível pelo acidentado do percurso, pelas condições ambientais, climatéricas ou outras, pela intervenção humana até.
Mas a corrente vai-se fazendo, desafiando a sua própria força e determinação ...

As vidas, também !

Com mais ou menos tropeços, mais ou menos angústias, mais ou menos incertezas, escolhos ou dificuldades, vamos sempre sendo muitas vezes, apenas "sobreviventes".
Ao longo do percurso ganhamos, perdemos, deixamos, recuperamos ... tropeçamos ... desistimos ou não !
Às vezes apostamos e acertamos, outras apostamos e erramos.
Às vezes há sol, noutras atravessamos tempestades bravas ... Mas há que continuar, ainda assim !...

Na minha travessia e nas voltas que ela levou, vários caminhos me foram sendo propostos em alternativa.
Caminhos de encruzilhadas, caminhos de sentido único, caminhos de volta atrás, caminhos nebulosos de floresta cerrada, outros que desembocavam sobre desfiladeiros abruptos ( em que em desespero de causa, havia que parar no último instante ) ... caminhos ínvios e espúrios, sem sinais toponímicos, muitas e muitas vezes.

A intuição, a inteligência, a prudência, a sensatez, a análise e reflexão, deverão guiar-nos.
A experiência e a aprendizagem, também.

Comigo nem sempre assim foi.
Sou extremamente relapsa como "aluna", extremamente resistente à aceitação de logicismos ou de posturas e escolhas adequadas, às vezes.
Sou pouco racional, demasiado emocional, e consequentemente funciono muito por impulsividade, por percepção, por "sentido" ... Não por realidade ou objectividade .

Não me considero destituída intectualmente.  Tenho no entanto, seguramente, uma inteligência emocional mal resolvida, pouco domada, erradamente direccionada, com frequência ...
E todos sabemos que, quando a emoção domina a razão, o ser humano "abre guardas", perde clarividência, vulnerabiliza-se, torna-se frequentemente irrazoável, paradoxal, "suicida"...

Tenho-o sido vezes demais ao longo da minha vida, com consequências dolorosas, nefastas, penalizantes, excessivamente penalizantes por vezes.
E obviamente, as "facturas" pagam-se ... sempre se pagam !
E as "facturas" são brechas que se abrem, são mazelas incuráveis com alguma frequência, são feridas, cujas cicatrizes teimosas, nunca mais desaparecem.
As "facturas" implicam perdas, abandonos, afastamentos, recusas inevitáveis.

Olhando para a estrada que me está para trás, constato que sou bem resistente perante as minhas perdas materiais ... Muito frágil perante os meus desapegos emocionais e afectivos.
Posso dizer que convivo pacifica e surpreendentemente sem demais sofrimento, com a separação de muito do que tive, que realizei, que concebi, que partilhei, com que vivi e me parecia absolutamente determinante e imprescindível, enfim, que recheou a minha existência ... mas subsisto muito mal a tudo o que efectivamente me preencheu o coração e a alma.

O desapego destes "bens", voluntário ou como consequência de vida, é que sempre e para sempre me faz e fará  sofrer, sempre e para sempre me fará sangrar por dentro, sempre será uma lâmina afiada a dilacerar-me, sempre e para sempre me irá matando aos poucos ...
Esses são os bens que não consigo substituir, que não consigo nunca "deletar" ( ainda que se percam no tempo ), para os quais nunca encontro alternativas credíveis, antídotos adequados ... dos quais nunca me "distraio", ao longo dos meus dias !

Um pouco como Pessoa, as "pedras no caminho" são para mim portanto, todos aqueles com quem me dividi, com os quais escrevi a minha história, aqueles que não me saem nem sairão de dentro, pelo simples facto que me marcaram a fogo, porque me representaram o Mundo, em alguma hora da minha vida ...

É com todos esses que construirei, tenho a certeza, o "meu próprio castelo" !!!...
                                    
                  
Anamar                         

Sem comentários: