sábado, 28 de setembro de 2013

" NAVEGO À BOLINA "

 

Dia de Inverno , ou melhor, de um Outono zangado.
Sê-lo-ia integralmente, se esquecermos a temperatura, que continua para roupas leves, e a chuva que também não insiste, ainda.

Atravesso um dos períodos mais escurecidos da minha vida, da maior insatisfação que alguma vez já experimentei.  Insatisfação e indiferença, beirando a raia  de um amorfismo e cansaço, preocupantes.
Arrasto-me diariamente, acordando e dormindo, acordando e dormindo, sem uma só motivação que me faça abrir os olhos.
Plano por cima das coisas, que aliás não encontro, e por isso não agarro ;  vegeto numa dormência patológica, num arrastar de dias que me começam tarde, e que nesta altura do ano, acabam cedo.
Nada mos justifica, nada faz com que eles me valham a pena.
Sinto-me anestesiada perante a vida, que já não me entusiasma, encanta, deslumbra ou emociona.
Quase deixei de escrever.  Aliás, acho fazê-lo, irrelevante, desnecessário, entediante.
Passei a achar que na verdade, nada tenho a acrescentar a tanto de que já falei, e até para mim mesma, o que tenho a dizer, levo o dia a fazê-lo, numa dialéctica muda, em que o diapasão é o meu peito ... e nada mais.

"Seca", é o termo que me define !
O que seca não tem vida. Eu, não vivo, a bem dizer !...
Farta ...  estou farta !
Farta de romper dias iguais, de silêncios constantes, das solidões dos claustros das abadias.
No meu mundo, ouvem-se os meus passos, ouve-se a minha raiva, pressente-se o meu desespero, apalpa-se o meu cansaço ...
E depois, sou eu e eu ... quem mais ?...

Sonhos ?  Não, já os alienei faz tempo, ou melhor, fugiram de mim para paragens de Primaveras radiosas ...
As metas, as que existiram e as que eu inventei, já foram cortadas há muito, quase sempre longe dos melhores tempos, nos lugares de trás.  Ou simplesmente me deixei ficar a ver os outros ir ...
Foi assim !...

As velas do meu veleiro, recolhi-as.
Não há vento que o empurre.  Navego à bolina, no vaivém das ondas passantes.
Tenho comigo a incerteza do alto mar.
Perdi bússola, esqueci norte, e como estamos num Outono zangado, nem o sol nem as luas me visitam !
As estrelas também dormem, e só a cerração se baixa e me envolve, por pena ... p'ra me dar guarida e berço ...
O cais ... os cais da vida, ficaram tão longe, mas tão longe, que deles, a neblina não se compadece ... nem de mim, figura errante, recortada no nada .
Apenas a maresia se faz presente, cáustica, corrosiva ... ácida !
O gargalhar manso dos salpicos, nos cascos curtidos pelos tempos, é melopeia ... não é bem canção !
E uma gaivota, só uma - esculpida no indefinido, no abandono e no vazio -  não me deixou viajar sozinha ...
E comigo, tenho a ausência de esperança de um navegador à bolina, e a certeza de não chegar a lugar nenhum mais !...

Deve ser doce morrer no mar, assim, num dia de Outono zangado ...
Esfumar-se no cinzento fantasmagórico do desconhecido, como nos braços de um amante dedicado ...
Dissolver-se na lentidão dos silêncios das memórias, que ficaram ...
Adormecer  nos  esgares  de  todos  os  fantasmas,  das  histórias  vividas ...
Ou simplesmente errar, languidamente, vagueando pelas notas impressas pelo coração enquanto ainda bate, pelo sopro do vento enquanto ainda açoita as escarpas, pelos pingos da chuva a tamborilar, largados de infinitos ...

Deve ser doce ...

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Dos posts mais bonitos que escreveu.
Afinal temos escrita e de qualidade.

anamar disse...

Obrigada.

Não, não temos escrita. Tudo isto é muito tirado a ferros, de uma amálgama que dói mas não escorre.

Anamar