sábado, 28 de dezembro de 2013

" BATEM LEVE, LEVEMENTE ... "



Os dias parecem túneis mal iluminados.
O cinzento uniforme e tempestuoso, abate-se sobre tudo e sobre nós também.  Chove, há vento desabrido, neva nos locais habituais do país, deixando por todo o lado uma paisagem única ...
O desconforto chega-nos cá dentro.

As gaivotas recolheram ao interior, porque há tempestade no mar.  Fui acordada pelos grasnidos, das que pousam perto da minha janela.
Alguma delas será a "minha gaivota" ?
Sim, porque houve tempo em que eu tive uma gaivota ( que perambulava aqui por cima, e pousava junto de mim, mirando-me com aquele jeitinho de cabeça inclinada e olhinhos perspicazes ), e um farrusco que parava lá em baixo, no abandono dos terraços, e de que, do meu sétimo andar, eu só distinguia os olhões amendoados, na pelagem totalmente negra.

Eram companheiros meus, sem o saberem !
E era reconfortante, por estranho que pareça, quando chegava à janela, e procurava com os olhos, os encontrava, um em cima, outro em baixo a olharem-me também ...  Sempre  me  aflorava  um sorriso  ao rosto !
Era no tempo em que a Rita já estava no fim da linha, velhinha e doente, e havia demasiado silêncio na minha casa.
O silêncio persiste, e tem dias em que eu diria, que um frio de neve, penetra no meu espaço, intencionalmente restringido ao quarto e à cozinha, e a sua brancura, que estranhamente acho aconchegante, deixa-me nostálgica, entristece-me  a alma, emudece-me o coração .

Nunca vivi em locais de tradicionais nevões.
Contactei  com a neve, ao vivo, por escassas ocasiões ;  não aprecio mexer-lhe, sofrer-lhe o frio, brincar com ela.  Mas extasia-me e emociona-me olhá-la, simplesmente, por detrás de uma vidraça, através da lente duma câmara, ou no registo de uma fotografia.
Acho que essas imagens têm muito a ver comigo, com o meu "eu" interior, o meu estado de espírito, transmitem-me uma doce solidão, que afinal já existe dentro de mim, faz parte da minha forma de sentir e estar.
E uma paz, que eu gostaria também de vivenciar, e que a vida não me traz ...

As imagens apenas corporizam os sentimentos, e descrevem-nos,  mudos, com palavras não ditas, mas eloquentes !
As imagens têm pulsão cardíaca, têm cheiro, têm som, ou melhor, têm silêncio audível ...
As imagens envolvem ...  Aquele cobertor branco e macio, acaricia e aninha ...

Será  mesmo  assim, ou  eu, que  não sou  lá  muito  certa, sinto-o  assim ??!!
Será normal sentir isto, ou não passo de um ser estranho, no isolamento em que me posiciono, por dentro e por fora, no mundo que me rodeia ??!!
Não sei !...
Reconheço-me "sui generis", bicho raro, meio adoidada, e percebo também, que não me percebam, porque eu própria me sei desenraizada, não enquadrada, não muito ligada a esta terra, por aqui !
Ainda não descobri a que mundo deveria pertencer, mas sei que neste, me sinto incómoda, defraudada, desconfortável, desinserida ... não "pertença" !...

A neve é silenciosa, como eu o sou no meu âmago.
A neve é envolvente e aconchegante, é uma carícia da Natureza, por cada floco que tomba nas folhas que restam, das árvores despidas.
A neve é uma canção dolente, uma melopeia, talvez um mantra ...
É uma música de deuses, tem uma beleza etérea e diáfana, é uma tela que o Arquitecto pinta, com a mescla de todas as cores existentes no Universo : o branco !...

Branco de paz ...
Seguramente, esse é o sentimento real que ela me transmite ...  Mas também silêncio e solidão, como disse.
Três formas de sentir, que levam o Homem ao encontro de si próprio, conduzem-no ao seu equilíbrio pessoal, mergulham-no no seu espírito, sintonizam-no no reencontro da meditação, transportam-no a um patamar superior, de ascetismo transcendental e deificante, na busca imparável da perfeição, e no caminho da melhoria !!!...

Anamar

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