quarta-feira, 28 de maio de 2014

" O CINZENTO DOS DIAS "



O dia está cinzento, aliás, continua cinzento.
Esta Primavera que daqui a menos de um mês está de saída, eu diria que nunca esteve de entrada.

As pessoas andam como o tempo, cinzentas com tendência a agravamentos súbitos, aqui e ali.
Vive-se, mas não se percebem sinais exteriores de quaisquer resquícios de felicidade ou alegria nos rostos, sequer de realização ...
Bem ao contrário, os rostos são fechados, carregados, pouco dados a bonomia ou gentilezas.
As  palavras,  menos  ainda,  e as  atitudes,  são  de impaciência,  intolerância,  agressividade ,  prepotência  ( sobretudo se se fala "para baixo" ... ), quase gratuita.
As pessoas andam azedas umas com as outras, e com a vida.
A tolerância foi-se, a paciência também, a má vontade e a sacanice à solta, são visíveis, e caminha-se numa espécie de não valer a pena, tipo "perdido por um, perdido por mil ", desesperador !

Diz-se do povo português, um povo triste, e corrobora-se essa afirmação dizendo-se que não é à toa  que o fado é a canção nacional mais fielmente tradutora dos estados de alma, que se poderia ter arranjado.
Pasmamos às vezes, como dobrando a fronteira, numa península tão pequenina, temos dois vizinhos tão abissalmente diferentes, os espanhóis e nós.
A mim, coube-me ser do lado  de cá, para mal dos meus pecados, posso dizer ...

O  que  é facto, é que se sente que a resistência emocional das pessoas, está a esticar até limites impensáveis ;  sente-se que se anda há muito, a viver além das capacidades psicologicamente equilibrantes ; sobrevive-se mais do que se vive, porque nos arrastamos mais do que caminhamos, num deserto em que nem as dunas alteram a paisagem ...
Ela é uniformemente, cansativamente, desinteressantemente igual ... ela é mortal e assustadoramente desmotivante.
Vivemos em automatismos diários, que já nem questionamos.  Fazemos assim, porque é assim !
Programados, chipados, fotocopiados, entramos na engrenagem de manhã, e acabamos à noite.
A qualidade já não é questionada, a razão já não é equacionada, o destino já não é repensado ...
Acreditamos pouco, perdemos há muito, a ingenuidade face a um futuro pouco promissor ...
Parecemos o hamster na roda. Vivemos atordoados, anestesiados, aparvalhados muitas vezes, indiferentes. Doídamente indiferentes ... como um boneco de corda ... até que a corda acabe !!!

E assusta-me, assusta-me tudo isto, porque é extensivo e transversal às gerações todas, atingindo mesmo as faixas etárias mais jovens, num período da vida em que as pessoas deveriam ser combativas, esperançadas, lutadoras com convicção em objectivos válidos, em que as pessoas deveriam desunhar-se nessa luta, com a certeza  de  que  a  vitória lhe seria proporcional, bem como ao esforço dispendido e à fé colocada na aposta ...
Uma fase da vida em que ainda lhes seria permitida e desejável, uma certa dose de ilusão no percurso ...

Mas não !  Os horizontes mostram-se carregados, as fronteiras fechadas, os túneis sem luz.
As alvoradas não se iluminam, e os sóis vivem em ocasos.  As andorinhas não chegam, porque as Primaveras também não !  Claro que só as gaivotas planam por aqui, já que elas não têm rumo ou norte, e apenas aproveitam os golpes da aragem, numa dança oportunista e preguiçosa, para cá e para lá, como as marés que só recuam e avançam, e enjoativamente trazem e levam ... chegam e partem ...

Enquanto isso, a Europa virou mais e mais à direita, nas eleições para o Parlamento, dando um sinal inequívoco do endurecimento das sociedades mandantes, dando um sinal de indiferença, de total ausència de solidariedade e de espírito "de família", para com os povos que só servem para lhes varrer a casa ...

O espírito oligárquico, o espírito de depuração de povos, o espírito de marginalização de  parentes pobres, a recusa pela assimilação e integração das economias mais frágeis e desfavorecidas, e antes sim, o aproveitamento e a exploração miserável e insensível dessas mesmas economias, com a consequente inviabilização do seu reerguer e da sua regeneração ...
o acentuar de um fosso de submissão político-social-económica, entre a supremacia dos povos do norte sobre  os do sul da Europa, num manifesto e claro retrocesso na senda que o mundo deveria percorrer neste século XXI ...
uma desumanização bem visível, face ao que seria a procura desejável do enriquecimento pela miscigenação das civilizações, sendo cavadas  inversamente, barreiras e clivagens inultrapassáveis na aproximação dos cidadãos e das culturas ... aproximação essa, que deveria nortear a filosofia dos estados, no sentido de uma  Europa  humanista e de valorização ...

... prevalecem, e antevêem dias muito sombrios e preocupantes, em que o terror de um nazismo renascente, ameaça mergulhar de novo a Europa, num mar de desesperança e morte,  deixando para trás, desde já, as suas estradas inapelavelmente pejadas de estropiados e  de "cadáveres" !!!...

Anamar

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