terça-feira, 5 de junho de 2018

" A PASSAGEM "



E há um "portão" que se abre para o oceano ... Uma espécie de cancela que os rochedos definiram, como se de uma porta de entrada se tratasse.
Quem calcorreia a encosta norte da Aguda, serpenteando entre meio de vegetação rasteira brava e bela, chorões, carrasquinhos, urzes e margaridas selvagens, descobre a meio caminho, naquela vereda de pé posto, uma espécie de mensagem sussurrada.  Aquele encontro místico, inesperado, construído pela Natureza, parece querer determinar uma aproximação mítica, mágica e solene, entre o Homem, o Sol, a Lua e o Oceano ... como se um templo ali se tivesse erguido.
Aquela "porta", para mim que a vi e a escolhi, teve o simbolismo inevitável e único, de um ritual de "passagem" !

Afinal, a sul, mas perto, na Foz do Rio Maçãs, se encontra sonolento o Santuário Romano, recém descoberto, de homenagem a estas três divindades, o Templo Romano  "Soli et Lunae".
Crê-se que o mesmo foi erguido em honra do Sol, da Lua e do Oceano, pelos romanos e posteriormente utilizado pelos muçulmanos ... de acordo com os vestígios arqueológicos recentemente identificados e estudados por quem de direito.
Mais tarde, foi ainda ponto de vigia à Barra do Rio Maçãs, que era navegável até Colares.
Enquadra-se ele na mística, vastamente patenteada em todo o lado, pelas terras de Sintra.
Era este Santuário, local de ritos e de culto, numa consagração ao "sol eterno e à lua".
Foi preito de homenagem e respeito  do Homem para com a Natureza e os seus supremos elementos.
Reflecte a pequenez, a humildade e a insignificância face ao Universo. E a sua relação enquanto ser terreno e espiritual.

Este Santuário, é mais uma pegada romana,  ( 27 anos  a. C  ) à semelhança de tantas outras que povoam o território de Cinthya, pejado de mistérios, simbologia e divindades.
As suas primeiras referências remontam ao Séc. XVI, no tempo de D.Manuel I .
Posteriormente acreditou  tratar-se de uma lenda, e só em 2008 veio a ser correctamente localizado, tendo sido então iniciadas as buscas arqueológicas  em 2011, pelas mão do Arqueólogo Cardim Ribeiro, que integra o elenco de especialistas do Museu Arqueológico de S. Miguel de Odrinhas.

Ainda na Praia das Maçãs  ( Outeiro das Mós ) existe o Tholos, conjunto sepulcral da época do Neolítico e da Idade do Cobre nacional.
De uma campa colectiva  acredita tratar-se.  Um sarcófago, lembrando local de vida e morte, sob o mar de areia e chorões que cobre as dunas !...

A própria Vila de Sintra se fixou no chamado Monte Sagrado, e nela e à sua volta, se dá conta também de locais de cultos célticos e turdestanos.
A serra exerce um inolvidável e eterno fascínio sobre os humanos.  Nela, em noites de lua cheia, continuam a realizar-se rituais mais ou menos desconhecidos e secretos, e a sua sacralização  lunar, é uma tónica ... mesmo para o Homem de hoje ...
O Monte da Lua, com os seus  duendes, os elfos, os titãs, as ninfas e as deusas mitológicas, as gárgulas monstruosas, os tritões e os cavalos de vento que nasciam de éguas fecundadas pelo ar fértil da montanha, continuam a ocupar o imaginário colectivo, rico e fascinante !...

Por tudo isto, e por muito mais ... o que digo e o que calo,  o que racionalizo e o que me preenche o espírito e a alma ... escolhi Sintra, lá longe, entre o "sol eterno" e a lua, com o oceano em leito de repouso infinitamente doce, para a "passagem" ... como um navio a navegar na noite, na minha longa viagem !...


Anamar

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