quinta-feira, 13 de setembro de 2018

" LÁGRIMAS ... "




Choro pouco, ou melhor, quase nunca choro.
Ainda que os olhos se me marejem uma que outra vez, ainda assim mais por emoção do que por mágoa ... chorar mesmo, aquela coisa de abrir as comportas e deixar correr ... há muito que não experimento.

Quando o meu pai partiu, há vinte e seis anos, no que foi o primeiro grande desgosto da minha vida, lembro-me que acreditava não resistir.  E chorei, chorei muito, chorei de mais ... e fui chorando até que a dor aliviou um pouco.
E era um chorar profundamente sentido, porque era um chorar de laceração de alma, de esfacelamento de coração ... num esquartejamento da que eu era, com um misto de impotência, de sensação de irremediável injustiça, de incompreensão quase, do que a vida me estava a fazer ...
Como se não devesse ser expectável, nos já noventa anos do meu pai !...

Sempre acreditei que por todas as razões, quando fosse a vez da minha mãe me deixar, o choque seria de tal ordem brutal, que seria muito, muito difícil p'ra mim suportá-lo.   E que obviamente, de novo eu iria debulhar-me em lágrimas incontroláveis.
Afinal, a minha mãe sempre foi muito mais próxima de mim que o meu pai, vivemos uma vida totalmente partilhada e cúmplice, sempre foi uma mãe presente, dedicada, direi mesmo que abnegada.
Era extremamente carinhosa com todos nós, sempre nos colocou acima dos seus próprios interesses, disponível e generosa ... já por aqui o referi demasiadas vezes.

Pois bem, agora que aconteceu, como que sequei por dentro !
Dei por mim numa paz e numa aceitação, quase num agradecimento mudo, pelo desenlace.  Talvez incompreensivelmente, poucas lágrimas verti.  Dentro de mim, pairava uma serenidade, um carinho e ternura tais, que a contemplei longamente, por todo o tempo em que parecia dormir, pela última vez, fisicamente perto de mim.
E com uma tranquilidade, como se pressentisse que ela sabia exactamente o que ali estava a passar-se, e quisesse transmitir-me isso mesmo.
Quase não chorei, portanto.

Ao longo da vida atravessei outros desgostos, outras mágoas, dores igualmente profundas, embora de cariz diferente.
Também nessas circunstâncias constato que a minha capacidade de chorar - não de me emocionar - tem vindo em decréscimo, à medida que o tempo passa e a vida se faz.
Não é fácil neste momento, ainda que compungida com muitas situações, ainda que amarfanhada com muitas outras, ainda que enternecida quantas vezes, por outras ... que eu deixe escorrer as lágrimas soltas pelo meu rosto !

E pergunto-me : o que se passa comigo ?
Será  que  o  tempo  e  tudo o que  ele  sempre  nos acarreta,  me  endureceu ?  Me insensibilizou ?  Me roubou a capacidade de sentir, me roubou a ingenuidade perante a vida, e o deslumbramento com que sempre a olhava ?
Será que o tempo me couraçou, por incapacidade de acreditar já, em muito do que há anos atrás, eu ainda acreditava ? Será que estou a perder a capacidade de sonhar e talvez também de apostar, para não me ferir ou apenas molestar ?
E daí, por defesa, ter-me-ei revestido de uma carapaça personalística que me levanta muros face ao que me rodeia ?!...

Pois ... não sei !
Sei que me sinto árida por dentro, vezes de mais.
Sei que me sinto mais pobre, na minha incapacidade emocional.
Sei que me flagro com muita frequência com uma postura dura, intolerante  e exigente em excesso.  Sem grande margem de compreensão, de compaixão, aceitação, disponibilidade  e bonomia para com o mundo.

E nada disto é gratificante, nada disto seguramente me fará feliz, nem me aliviará a alma ...

Talvez se eu chorasse mais ... Quem sabe ???...

Anamar

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