quinta-feira, 20 de setembro de 2018

" TUDO E NADA - balanços outonais "



O ano está a ir-se.
Entraremos no seu último trimestre não demora, e apesar do calor continuar a imperar em dias azulados de céu límpido e brisa mansa, quando passa ... sente-se já, que não é bem igual.
O sol tem um rosto mais tímido, a sua luz adocicou, os dias anoitecem bem mais cedo e a pausa da vida que é configurada pela estação que aí vem, sente-se claramente também na interioridade da Natureza.
As praias estão a ficar sós. As gaivotas farão delas privilégio de passeio.  Os areais são beijados no embalo de marés silenciosas e meigas, como véus largados em lassidão e abandono.
E tudo à nossa volta parece reduzir a urgência trepidante da pujança dos meses de Verão.  A pressa aquietou e tudo agora parece desenrolar-se numa fruição gostosa e degustante.

Os putos voltaram às escolas.
Reencontramo-los nas ruas, de novo em bandos chilreantes e descontraídos, mochilas nas costas, livros nas mãos e conversa solta e displicente, com a leveza e a irresponsabilidade que os anos lhes conferem ...

Para mim, o ano sempre foi contado de "rentrée" a "rentrée".  Não era Dezembro nem a viragem do calendário que ditavam as regras, mas sim este início de ano escolar, com redefinições de vida ano a ano, reenquadrando horários,  ritmos, com novas e promitentes determinações, novos sonhos e disposições.
Como todas as épocas de viragem ou mudança, experimentamos uma energia poderosa, uma capacidade de renovação imensa e uma imensa vontade de reinício de qualquer coisa, do que quer que seja, numa espécie de "refresh" de vida.
Planifica-se, recria-se, inventa-se, redesenha-se um figurino novo dos nossos dias, como se com ele, o marasmo, o bafiento, o repetido e por isso entediante, sumissem, e tudo se reciclasse, a começar por nós mesmos !
É a tal época das faxinas, já o abordei em anteriores escritos, sendo que as faxinas mais apetecíveis, desejadas e necessárias, seriam as que ( se isso fosse possível ) conseguissem mesmo virar-nos o nosso avesso para o ansiado direito, que faria de nós seguramente pessoas mais dispostas, leves, corajosas, sonhadoras e crentes ...
Sairmos das rotinas salobras e cansativas, inovarmos e renovarmo-nos ... desafios quase sempre extenuantes e penosos que muitas vezes se nos afiguram inalcançáveis, são exercícios mentais vitais à sobrevivência, numa sociedade pouco contemplativa e generosa, pouco aliciante e retribuidora.

Nada fácil, contudo.
O balão insuflado que empolgou os primeiros dias, deste afã de sonhos, vontades e intenções, tende a esvaziar devagarzinho, imperceptivelmente, como tendo um furinho invisível algures por aí.
As rotinas tomarão de novo conta dos nossos tempos, que recomeçarão inevitavelmente a assumir o formato já demasiado conhecido ;  o fôlego e o empolgamento dos primeiros assomos de entusiasmo, tendem a fenecer.
A cera das velas que iluminavam caminhos vai-se consumindo, o silêncio recolhe aos claustros da alma, a cor esbate à nossa volta como os mates, ou os pastéis redecoram a Natureza, depois dos tons sanguíneos do Verão cessante.  Tudo mansamente, languidamente, espreguiçadamente  ... ao ritmo de um cansaço que de novo nos invade.

A vida deve ser isto e a força dos anos transcursos também.  De facto, não temos mais vinte anos.  Não temos mais sequer quarenta anos. E a inevitabilidade do que tem que ser, opera-se, sem apelo, sem contorno, sem volta a dar !...
Será assim com todos ? - pergunto-me.

Tenho o desânimo do perdulário.  Angustia-me a incapacidade que experimentei pela inalteração do percurso da vida.
Como queria poder recuar, rever, refazer, alterar !
Como queria não ter-me acomodado.  Não ter aceite o cinzentismo dos dias.
Como queria ter tido visão, coragem e determinação para rumar para fora de caminhos já cadastrados, e inventar os meus próprios trilhos!  Ter aberto janelas que dessem mais mundos ao meu mundo !
Como queria poder revolucionar figurinos acomodatícios, e livremente poder atirar pedradas aos charcos deixados pelas chuvas passageiras ... sem medo de me molhar ! Como queria ter a irreverência saudável dos exploradores de marés !...
Como queria ter tido coragem para dizer não, e quantos nãos fossem precisos ao longo do destino !  Como queria poder asfixiar esta insatisfação doída de vida previsível, igual e repetida !   Esta dormência latente, colada na profundidade da pele !...

Enfim, se calhar quero exactamente o que muitos quereriam, sem um pingo de originalidade ou exclusividade.
Mas pelo menos, a utopia, o sonho, este turbilhão vulcânico que me sufoca e não apazigua, fazem-me acreditar que estou viva, que não desisto, que aposto sempre e quero continuar a viver e a lutar pelo valer a pena desta minha vida !...
Por tudo e por nada ... que sempre será muito !...

Anamar

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