segunda-feira, 10 de setembro de 2018

" PARTIR ... "



O tempo de Outono que se avizinha, é propício a uma boa faxina.

A minha mãe, nos seus afãs de limpeza, chegava a esta altura do ano, e aí estava ela na revolução absoluta da casa.  Eram as cortinas, eram os cristais, eram os "amarelos", como dizia ... Divisão por divisão, tudo lhe passava pelas mãos, na habitual "limpeza grande de Outono".
Eu perguntava-me como explicar aquela alegria incontida, aquela felicidade absoluta, quando concretizava a agenda distribuída pelos vários dias.  "Hoje foi o meu quarto ... está tudo limpinho !  Amanhã cedo, será a cristaleira "...
E sorria  muito, por ver a sua casa impecavelmente asseada.  E não entendia a minha consternação, por não conseguir sequer alcançar a compreensão desse estado de espírito.
Afinal, trocar uma boa madrugada de descanso, pela lavagem criteriosa de todo o recheio da cristaleira, era para mim um "non sense", absolutamente inexplicável !... 😄😄😄

Não fui dada a prendas domésticas.  Faço o que urge fazer-se, sem nenhuma realização ou gosto.
Tenho a casa arrumada, ordenada, limpa, com a ajuda de colaboradores, claro.  Não mais !
Fanatismo não faz parte dos meus códigos, nem nesta nem em nenhuma outra matéria.

Verdade seja que a minha mãe também não precisava de "outro" tipo de arrumações, na sua vida.
Era uma pessoa mansa, em paz, sem ambições ou ansiedades.
As suas preocupações, além de ser rigorosa e criteriosamente cuidadosa com a sua subsistência, detentora exclusivamente de uma pensão de sobrevivência miserável e mínima,  ( por forma a nunca constituir um "peso" para mim, como dizia ) ... as suas preocupações, digo, eram as inerentes às netas, ao sucesso nas suas vidas, às dificuldades, se as tinham, ao futuro dos bisnetos, à saúde ou à ausência dela, quando acontecia ... pouco mais.

Nunca a minha mãe ansiou nada além disto.  Nunca ansiou além do que a vida lhe ia dando.  Menos ainda, insatisfação foi palavra do seu vocabulário.  Nunca viveu crises existenciais, nunca se digladiou ou exigiu que os seus dias, alguma vez fossem diferentes.
Teve o que teve, foi uma pessoa frugal e simples na sua existência.  Penso  que ela nunca achou que talvez fosse merecedora que o destino lhe propiciasse um pouco mais ... ou um pouco diferente.
E assim viveu, eu diria que seguramente feliz, até aos 97 anos !

Afirmava eu no início deste post, que o Outono que ora se avizinha, é propício a uma boa faxina ...

Não falo, obviamente, dessas ânsias de limpeza  exteriores a mim.
Falo deste fervilhar de insatisfação, esta intranquilidade de alma que me atormenta, esta inércia que me toma e que parece carecer duma boa sacudidela.  Falo deste arrastar de tempos incaracterísticos e já outonais que me assolam, deste cansaço e saturação de amanheceres repetidos e sem brisas frescas a descerem-me ao travesseiro.
Falo desta desarrumação mental e deste bloqueio que me domina e me tolhe, me adormece e me narcotiza numa letargia mortalmente cansativa.
Estou como um amigo que em conversa me dizia : "Preciso de urgentemente virar a vida de ponta a cabeça.  Preciso mudar tudo.  Estou exausto !"

Eu estou exactamente assim.
Sinto em mim o cansaço de um lodaçal, o esforço do caminhar em terreno pantanoso, o desânimo de horizontes sem cor ou novidade.  O igual assusta-me.  O repetido angustia-me.  As rotinas de vida não me dizem nada.
Preciso virar páginas, sacudir pós interiores ... despendurar a vida da corda da roupa onde balança, balança e donde não se solta, numa modorra doentia ...
Preciso de viver, bem ou mal, mas "viver", e as vidas iguaizinhas, sem história, sobressaltos, desejos e sonhos, incomodam-me mortalmente. Matam-me aos poucos.
Sou uma eterna e inveterada sonhadora.  Sou uma adolescente envelhecida pelos anos.  Sou uma utópica romântica com ímpetos transgressores sempre, ao "instituído", ao "adequado", ao "expectável".
Sou um espírito inquieto e turbulento, que questiona, que se impacienta, que anseia ... que não se doma ...
Porque o que vive dentro de mim é enorme, é excessivo, é grande de mais para se espartilhar, para se acomodar, para se encaixilhar ... para se aprisionar !...

Deixar tudo para trás ... virar tudo do avesso ... e partir, partir por aí, por outras estradas, outras veredas, buscando outros céus, outro azul de mares que nunca são os mesmos, embrulhando-me noutra aragem, escutando silêncios de alma, cúmplices, ou acordes das matas distantes ...

Partir ... partir talvez fosse a solução !

Anamar

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