quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

" A MORTE VERSUS A VIDA "



Nada para dar mais significado à VIDA, do que a MORTE !

Como seres vivos, cumprimos à letra os desígnios da espécie ... nascemos, crescemos, provavelmente reproduzimo-nos e morremos.
Não há como fugir.  No interregno entre o princípio e o fim, vivemos ...

A VIDA... essa complicação instituída que levamos adiante, sem recuos possíveis, com maior ou menor maestria !  Essa prova de fundo que nos desafia, nos experimenta, nos questiona dia após dia, umas vezes mais leve, outras mais dura e arrastada !
E vamo-la cumprindo, sem preparação prévia, sem livro de instruções, sem sebentas ou apontamentos.  Sem ensinamentos particulares, cursos de reciclagem, aulas de apoio ... sem direito a reescrita ... sem borracha, lápis ou  rascunho ... Sempre sem direito a rasura !
Espaldados na teoria da tentativa e erro, com mera sustentação no tacto, no bom senso, no equilíbrio de cada um ... esfolando continuamente os joelhos, ferindo-nos  para aprender, experimentando o amargo para valorizar o doce ... vamos seguindo como alguém que calcorreia, titubeante, um caminho tortuoso e desconhecido, em noite de nevoeiro ...

Há os que, alunos mais hábeis, sabedores, se calhar inteligentes ... se calhar atentos ... se calhar persistentes, não sei, a vão cumprindo com mais desembaraço, sapiência, êxito.  Para esses vai havendo uma quota de sucesso invejável.  Até parece não ser tão difícil assim, a superação de cada desafio .
Depois há os outros, aparentemente alunos relapsos, se calhar cábulas ... se calhar mandriões ... se calhar superficiais e desatentos, ou simplesmente imperfeitos ... para quem  cada etapa é uma prova de resistência, um esforço titânico.
Parece que sempre erram no desespero do acerto, parece que as intenções sempre ficam aquém dos resultados, como  "soi dizer-se" ... "parece que se benzem, mas partem o nariz " ...
E tudo parece funcionar ao contrário. São sucessivos os tiros nos pés, o desgaste e o cansaço aniquilam e destroem.
Para esses, esse tal exercício que é viver, constitui uma epopeia quase inatingível, um desiderato inalcançável, uma canseira sem tamanho !

E penosa, a vida vai-se fazendo com esforço acrescido, como alguma coisa que se vai levando aos tropeções, empurrando aos solavancos, arrastando como grilhões ou correntes.
Parece um remédio amargo que se toma às colheradas.  Perde o colorido, pesa arrobas ... Não tem graça !

Aí um dia, a morte, perto de nós, rondando e alvejando afectos imprescindíveis nas nossas vidas, chega e ceifa.  Leva-nos quem ocupou os nossos destinos, arrasta quem connosco caminhou pela estrada, atinge a nossa zona de conforto e vulnerabiliza-nos, pondo em causa convicções, certezas, pragmatismos, desvalorizando-nos verdades que eram absolutas, ridicularizando-nos bandeiras e armas de arremesso, ponto de honra nas nossas estratégias de vida .
Pomos então em causa a real importância das guerras de mágoas, ofensas, hostilidades, marginalizações e afastamentos que pautaram muitas das nossas posturas, fragilizando-nos os alicerces, abanando-nos às vezes irreversivelmente, o edifício emocional e afectivo que nos sustentava.
Pomos em causa verdades que eram defensáveis como pontos indiscutíveis, opiniões que se esgrimiam com unhas e dentes, como se não houvesse amanhã ... certezas inadmissivelmente duvidosas,  inquestionáveis, baluartes inexpugnáveis, estandartes intocáveis ...

E de repente, uma maturidade que não adveio obrigatoriamente dos anos mas sim do sofrimento, toma-nos, aclara-nos a vista, desarma-nos o coração e mostra-nos com uma transparência que até dói, como perdemos tempo demais.  Confronta-nos com a idiotia mantida por burrice ou teimosia, por prosápia ou inflexibilidade, desvenda-nos a fragilidade das trincheiras que caváramos, a inoperância das muralhas que erguêramos valorizando o acessório em detrimento do essencial, só que ... quase sempre tarde demais !
A cegueira que nos escureceu a vista tarda a dissipar-se.  Somos duros na queda, somos fundamentalistas nas atitudes e a nossa capacidade de tolerância, de humildade,  até de superação chega com atraso, irremediavelmente. A nossa capacidade de regeneração ou recriação esgotou-se.
O tempo possível escoou-se.  A ampulheta esvaziou.  A ferida necrosou e nunca mais os ponteiros acertarão a hora, nos rumos das vidas !

E foi pena.  Já não há remédio ou panaceia ...                   
A MORTE deu, tarde demais, significado à VIDA !...

Anamar

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