segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

" UMA NESGA DE AZUL "



O sol sempre adocica o que vemos.  Pinta, acende as cores, salpica de esperança onde poisa.
Nos dias de sol tudo parece mais simples nas nossas vidas.  Passamos a "poder", e embrulhamos os desânimos em alegria, como em papel de rebuçado.
Hoje chove e chove muito.  O céu fechou totalmente, um cinzento  borrascoso  desceu sobre tudo, como se lá por cima tivessem desligado as luzes.
É meio do dia, mas parece roçarmos o lusco-fusco.

Apesar de eu ser uma mulher de sol, que o busca nas esquinas, nos areais, nos interstícios das ramagens e que o persegue da janela, enquanto se mostra,  até que deita, lá longe ... adoro estes dias de melancolia doce, que só o Outono nos sabe oferecer.
São dias de interioridade, de silêncio, de introspecção.
Adoro olhar a chuva a salpicar-me mansamente a vidraça bem na minha frente.  Adoro olhar esta semi-neblina que opaciza a paisagem a partir de uma certa linha do horizonte, não nos deixando ver mas só adivinhar.  Adoro olhar o chão lá em baixo, completamente atapetado com as folhas que a brisa vai despindo do arvoredo agora meio despenteado e em que a folhagem que ficou, se pinta do colorido quente da estação ... dormente, sonâmbula no balanço do vai-vem da ramagem ... Como se quisesse demorar-se no estar, como se não soubesse dizer adeus ...

São dias de muita paz.  Dias de memórias.  Dias de saudades.
São dias equilibrantes, de realojamento das emoções que me moram.  Dias de casulo, dias de útero, dias de colo  em que mergulho, como se de repente estivesse escudada dos males do mundo e das agruras da vida ... porque sempre as há, obviamente ...
São dias de memórias doces ... as mais diversas. Algumas, doces mas doídas, outras doces e aconchegantes.  Todas indeléveis, inapagáveis na minha existência !

Entretanto o ano está na recta final.  É época de balanços, outra vez.  Sempre é época de balanços, queiramos ou não.  À medida que as últimas páginas do calendário caem, não tem jeito ... com elas cai-nos na mente, inevitavelmente também, tudo quanto se viveu, todo o deve e haver entre as realizações e os sonhos, toda a avaliação entre o concretizado e o planificado, toda a análise da nossa prestação no empenho dessas concretizações.
Umas vezes conseguimos o ambicionado. Outras, por vezes à nossa revelia, a vida fez-se, a contento ou não.
Sempre a vida se vai fazendo, feito maré mansa ou borrasca tenebrosa ...

Foi um ano muito difícil para mim, este que agora caminha para o fim ...
A minha mãe partiu e deixou-me mais órfã do que nunca, depois de um sofrimento arrastado e vivido por todos nós, tempo demais.  Estou ainda num período de adaptação a essa realidade, se é que alguma vez a aceitarei sem turbulência no coração ...
Fiquei exausta, exaurida em todas as minhas forças, numa impotência e numa dor atrozes.  Fiquei com um buraco no peito e uma ferida sangrante, que jamais serão consertados.
Sei que tudo isto é a vida, e que tudo isto tem a "normalidade" e a inevitabilidade que essa vida lhe confere.
Eu sei ... apenas sei ... de pouco serve !...

Depois ainda, foi um ano de muitas reviravoltas e muitos reajustes no meu percurso.  Tudo o que nos desaloja da nossa zona de conforto, determina muito desgaste, muito cansaço, muito sobressalto e insegurança.
Por arrastamento ... dúvidas, medos, interrogações ... conflitos internos  também nos assaltam ...
Vencer a inércia, seja ela qual for, implica sempre, como se sabe, um acrescido dispêndio de energia.

As saudades revisitam-me, nesta época.  Em força.  Instalam-se, fazem-se presentes, não me deixam ...
São saudades de gente, de lugares, de momentos.  São saudades de palavras, de gestos, de afectos.  São saudades também de mim ...
São memórias que não desgrudam, sendo que agora dormem na minha cama, ocupam a minha mente, apertam-me o coração, desatam-me uma que outra lágrima ... lembrando-me que, mesmo quando eu pensava que elas dormiam, apenas dormitavam ... em sonolência de sesta.
São carícias na alma, apesar de tudo ... afagos no coração ...  São o que nos fica, de tudo o que partiu e nos deixou ...

Sou  uma  emotiva  irremediável.  Uma  saudosista  inveterada.  Uma  romântica  sem  emenda ...
Enfim ... sou. como toda a gente, o somatório de tudo ... bom e mau, gratificante ou nem tanto, feliz ou dolorido ... acertos e erros ...
Mas, no meio da escuridão que se abate, procuro quase sempre uma nesga de azul ... e aguardo que a vida sorria lá do alto, acreditando que amanhã possa ser um  "outro"  novo dia !...

Anamar

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