segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

" RETALHOS "





Mais um Natal à porta.  Um, mais ...  Mais um ano a findar ... um, mais !
Inevitável tudo o que se sente, embora não queira sentir-se.  Inevitável a miscelânea de sentimentos teimosos e desorganizados, que em atropelo nos tomam.
Alegria, dizem as pessoas.  Sem dúvida, alegria pela reunião, pelo encontro, pela partilha e cumplicidade de sentimentos.  Pelo calor do sangue ... que se sente bem quando é do nosso, a correr  por outras veias.  Alegria, pelo calor no coração, na verdade da amizade semeada nos tempos, em cada abraço dos amigos ...
Consolo também.  Uma carícia na alma, quando estamos todos na mesma mesa e os afectos voejam, tanto quanto os sorrisos dos rostos.
E paz.  A paz que se sente por nos sabermos pertença e podermos acreditar que com sol ou tempestade nas vidas, sempre abriremos o mesmo chapéu protector, capaz de albergar todas as cabeças.
E sonho ... sonho de podermos sonhar que tudo é exactamente assim.  E sermos capazes de nunca abandonar esse sonho, embora utópico possa parecer, muitas vezes ...

Depois, Natal traz-nos também à flor da pele, mágoa, saudade, falta, tristeza ... buracos no coração que não se preenchem, feridas na alma que não saram, incertezas de futuros sonhados inacabados, dúvidas de manhãs que estão por vir, medos por tempo que se escoa rápido demais, sem que talvez tenhamos tempo de escrever a nossa história até ao fim ...
Natal acorda-nos as dores da lembrança de todos os que já não podem sentar-se na nossa mesa, traz-nos a recordação de todos os que dividiram as vidas connosco, nos momentos tristes, mas também nos mais felizes.
E inevitavelmente todos "baixam" quando  as velas se acendem, quando os cânticos ecoam, quando o bacalhau é servido, quando os sonhos e as rabanadas se anunciam, quando o brinde se ergue e nos maravilhamos, percebendo como a vida se vai fazendo, os destinos se vão cumprindo, a roda continua sempre a rodar, as cadeiras sucessivamente a reocupar-se ... porque assim é e assim será, além dos tempos ...
Todos "baixam" quando a magia nos toca e um sopro de esperança e fé, nos impregna até à alma ...

Ponho-me a pensar : em quantos Natais mais ocuparei aquele lugar da mesa ?  Em quantos Natais mais, vou erguer a taça e formular os votos ... os tais, que se perdem no éter e brotam com a força toda do meu coração e o desejo incontornável do meu espírito ?
Quantos estaremos no ano que vem, no outro e no outro ?
E contemplo, já com a lágrima a embaciar-me o olhar e o nó a sufocar-me a garganta, o lugar do sofá vazio, o que foi dito, do que rimos e do que falámos ... porque sempre há o que lembrar, porque sempre o que lembra, se repetia ... e a gente ria então ... quase completamente felizes !
E tudo voltará à normalidade.  Este ano dói muito ... no próximo, talvez um pouco menos ... e assim por diante.
Haverá outros a preparar o peru, tão bem ou melhor.  Haverá quem lembre os que preferiam arroz doce,  os que escolhiam as rabanadas ... as filhós, as azevias ... as manias de uns, as rabugices de outros ...
Haverá quem lembre o Pai Natal fantasiado que enganava a criançada... quando a criançada ainda tinha idade e inocência para se deixar enganar ...

Porque tudo continua imparável e a vida se renova, até que um dia seremos apenas um lugar na mesa, que cada vez menos, lembrarão ...

Anamar

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