quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

"ESTA LISBOA QUE EU AMO..."



Fui à Baixa de Lisboa...à Baixa Pombalina onde já não ia há alguns anos, tantos quantos os que medeiam entre o encerramento do túnel do Rossio e hoje, em que decidi, que seguramente encontraria no comércio que lá "deixara", um presente especial de Natal para alguém que também foi especial na minha vida e está de partida...

Fiz-me portanto a Lisboa, aproveitando para fazer a minha "vistoria" às obras do túnel.

E "desaguei" em pleno Rossio. Um Rossio inundado de um sol luminoso de Inverno, emoldurado pelo velhinho castelo de S. Jorge, vigilante sobre as colinas.

Deambulei por ali, porque as três da tarde ainda tardavam um pouco, e com elas a expectativa da abertura de lojas encerradas para almoço.

E senti Lisboa "fria", senti Lisboa algo só, senti Lisboa uma cidade desconhecida...
Começavam a instalar-se-me um "desconforto" e uma melancolia crescentes.
Os meus olhos vasculhavam os lugares, perscrutavam os ambientes, procuravam o que não encontravam.
Parecia haver décadas que não visitava aquele espaço, parecia que 1755 regressara a Lisboa para, desta vez, não lhe deixar "pedra sobre pedra"...



Lisboa está povoada por uma multidão que eu desconhecia.
Uma miscigenação imensa de raças, de tipos, de gentes, faz desfilar figuras ímpares que vão das cores às vestes, dos semblantes aos idiomas, da solidão às verdadeiras tribos.

Vi africanos com indumentárias a rigor, vi árabes de turbantes e barbas, vi mendigos sem pátria nem terra, a dormir em cartões, em pleno meio do dia, nas arcadas do Teatro D.Maria.
Vi concidadãos de espaços que não este, a beber cervejas, promiscuamente sentados por ali, ao sol, gesticulando, rindo, falando muito alto, num linguajar efusivo, a enganar solidões que não se deixam enganar...
Vi brasileiros com ar triste e acabrunhado, a venderem bujigangas que ninguém compra nunca, na esperança de uns trocos com que se aconchegue o estômago...e pedem, sempre pedem:"ainda não comi nada hoje"... e a "cidade maravilhosa" lá tão longe!...
E vi velhos, muitos velhos, de rosto apagado e inexpressivo, com sonhos a fugir pelo pregueado da pele sem luz...na espera, sempre na espera do decurso do tempo.
"Eu, todos os meses compro o 123 para a terceira idade...a minha reinação é vir até aqui todas as tardes. Vou até à rua da Madalena, dou a volta ao Terreiro do Paço"...e não escutei o resto...

"A minha reinação"!...Triste epílogo de vida!...
Nem os pombos já querem saber dos idosos, e os idosos também já não têm mais milho para os pombos...

O indiferentismo, a ausência, o cansaço, a resignação habitam os rostos dos idosos...os mesmos que, irónica e dramaticamente, têm que seleccionar em cada mês, os remédios que aviam na farmácia (do longo "cardápio" prescrito), com os recursos a encolher todos os dias...




Lisboa está a divorciar-se do Tejo...
Os cinco "dedos" da sua mão que sempre apontaram para o rio, estão a envelhecer e a ficar sós.
Não há vida naquelas ruas, muitas e muitas lojas estão fechadas ou a trespasse, o "brouhaa" das gentes passantes está a silenciar-se, a animação de rua que lhes dava rosto, desapareceu, algumas (poucas) esplanadas...desertas...; até as vendedeiras de flores das esquinas, sumiram.

E é assim, da Rua da Madalena à do Ouro; é assim, da Praça da Figueira, do Largo de S.Domingos, da Barros Queirós ao Martim Moniz...
A vida fugiu da Baixa para outras zonas, talvez...
Eu diria, injustamente deixou de pulsar na zona nobre e coração desta Lisboa, e passou para os centros comerciais, para as grandes superfícies, onde se "fazem" familiarmente, entre paredes, fins de semana inteiros, onde se passeia, onde se compra, onde se come e onde todos parecem "divertir-se" à grande...

Já não existe a Pensão Glória da minha meninice, mas salvou-se o "Hospital das Bonecas"...meu Deus, o "Hospital das Bonecas" ainda existe!...
Continua resistente à hecatombe, lá, na Praça da Figueira, com uma montra repleta de brinquedos de lata que me aqueceram a alma...

O resto...bom, o resto foi frio...vazio...uma cidade em silêncio, descaracterizada e cinzenta, justamente numa época do ano que foi de ouro e fulgor noutros tempos, na correria de mais um Natal que se avizinha...

Mas hoje, eu perguntei-me todo o tempo: "Afinal o que foi feito desta Lisboa que eu amo??!!..."




Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

olá minha querida Anamar

Esta Lisboa tem a cor da alma dos seus habitantes: falta-lhe garra,joie de vivre!
Beijo
PS: Mesmo assim, continuo a amá-la (como bem sabes)

anamar disse...

Pois é....fidelidade incondicional nas paixões!!!!....
Ontem, uma vez mais "embasbaquei-me" no Rossio, num banco, ao sol...
Lisboa, de facto, não é mais a mesma...é isso..."joie de vivre"...tens razão!
Jinho
Anamar