segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

"NATAIS E NATAIS..."


Foram de certeza os melhores Natais da minha vida...e eu nem sabia!...
Queiramos ou não, há uma "conspiração" divina por esta altura, e a mente viaja, viaja, em busca do que já foi, sobretudo se o que é, já nos transmite tão pouco!!

Lembro Natais de muitas épocas da minha vida: os Natais de menina, aqueles a que eu chamo os "melhores" Natais por todas as razões do Mundo; os Natais familiares, tradicionais, anos depois, noutro tempo e noutro espaço, com alguns já ausentes...e os meus Natais de hoje, em que, ou porque a vida me retirou toda a ingenuidade e pureza que então vivia, ou porque me endureceu por dentro, são Natais de solidão, de introspecção, de "descreres"...são Natais magoados...

Já vivenciei muito esta quadra, já dela disfrutei, vendo-lhe outras cores.
Era menina, era Alentejo, casa de avós que sempre é mágica e doce para as crianças, era Natal de presépio e tudo... de árvore, de sapatinho na chaminé a alimentar o imaginário de uma cabecinha crédula...
Prendas?...Não...apenas alguns (poucos), chocolates, deixados na bota, na manhã seguinte, porque o tempo não era de excessos.
Uma roupa nova para a missa do dia e uma "missa do galo" ouvida pelo braço da avó, que envolta no seu melhor xaile enfrentava o gélido da meia-noite naquele Alentejo "estrelado"...
O menino Jesus beijado no pezinho, pela fila formada, de novos, velhos, crianças...
Desejos esperançosos, pedidos...promessas, elevavam-se de permeio com os cheiros dos incensos, das velas, na profusão das luzes do altar.

Anos e anos depois, sem avós, sem tios, sem sapatinho na chaminé...sem imaginários já(porque os Natais não se compadeceram e fizeram-nos crescer)...o recomeço...
Crianças de novo, com árvore e presépio outra vez (mais sofisticado, é certo, com luzinhas de pisca-pisca), com lareira mais pequena, porque já não a do Alentejo, com muitas mais prendas, porque os tempos já não eram os mesmos e a inocência se calhar também não. Mas ainda com muita muita gente à volta da mesa, com muita e muita gente a sentir-se pertença de coração, com o frio também gélido da Beira e o acreditar que se reeditaria por toda a vida...

E é outra vez Natal...

Um Natal agora, em que dos "resistentes" vão restando cada vez menos. Ainda há árvore, rabanadas, sonhos, broas, bolo-rei e peru. O azevinho ainda se veste de vermelho, mas as velas do meu Natal já não têm mais a simplicidade nem a luz trémula das outras e também já não há avó, nem "Missa do Galo".

Queiramos ou não lembrar, "A todos um Bom Natal...." soa pelas ruas, vindo do interior de lojas que têm que nos impingir que é altura de compras...
As luzes "de plástico" que a Câmara nos enfia pela casa dentro, já estão acesas há que séculos...por "decreto"...
Muita gente, mas muito vazio...

O "Natal é sempre que um homem quiser"...será mesmo??

A correria de desespero numa afobação de "barco a afundar-se", está instalada (ainda assim não se esgote tudo)...e respira-se um ar estranho, impossível de ignorar...
De repente, o mundo solidarizou-se, deu as mãos, pacificou-se, uniu-se, fraternizou-se, amou-se, "elevou-se"...por "decreto"...

Desculpem a ironia e o sarcasmo...a intolerância...

Afinal, os que estão agora a viver os primeiros Natais, devem também ter direito ao sonho...
Estou quase a sentir-me egoísta...ou então é mesmo já cansaço, falta de esperança (?)...ou simplesmente ...velhice, estendida até à alma e ao coração!...

O frio entretanto apertou e damos por nós a tiritar se a roupa não foi criteriosa, ou a "encasularmo-nos", em fuga ao gelo lá de fora. Entretanto os cachecóis, as golas de pele ou as malhas mais espessas integram o vestuário. O nariz gela, o "fumo" sai-nos por entre os lábios ao falarmos, as mãos ficam hirtas e tolhidas e nem o sol que se tem mantido a pé firme, enganador, nos vai convencer de que o Inverno não está por aí...

O Inverno...talvez a estação mais "enteada" das quatro de que dispomos...
Sempre lhe associamos o desconforto, a dureza atmosférica, o retraimento no corpo e na alma (que parecem embrionar outra vez, numa fuga uterina à agressão dos elementos).
Mas de repente, o Inverno traz-me à mente e ao espírito um desfile de imagens, sensações, cheiros, emoções vividas, sentidas ou só adivinhadas, que nada têm de "madrastas"...

Lembrei a recolha do musgo em muros de pedra, troncos de oliveiras adormecidas (para atapetar o presépio em espera), com cesta de braçada, gorro na cabeça e faca nas mãos enluvadas para os dedos não enregelarem...
Lembrei os cheiros de lareira recente e os fumos soltos das chaminés, fazendo adivinhar fogueira acolhedora para lá das paredes...
Lembrei almofadas e mantas em desalinho, a esmo pelo chão, um copo de vinho saboreado por entre a luz difusa de um candeeiro e a luz mais difusa ainda da chama de um tronco que arde...
Lembrei a música dos estalidos da lenha crepitante, as cumplicidades trocadas em surdina e o amor que se faz ali mesmo, com as chamas por testemunha...
Lembrei a neve lá fora salpicante, fofa, feita um colchão de penas que lá do alto se tivesse rompido...e a irreverência louca de virmos dar-lhe o rosto, deixarmo-nos devassar por ela como crianças que brincam...
Lembrei como seria Geia naquele frio-quente-escaldante de um Dezembro sonhado...e lembro o "branco"...o branco-frio, o branco-paz, o branco-cúmplice, o branco-sonho... o branco-aconchego... o branco que tem em si todas as cores do mundo...aquele branco que afinal nos aquece...

Branco da neve, vermelho do fogo e o verde de uma esperança renascida nos corações, eis os ingredientes que sempre "fabricam" os nossos Natais...quer sejam Natais sentidos, quer sejam Natais sonhados, quer sejam Natais recordados ...quer desejemos por razões de sobrevivência psicológica "saltar" os Natais no calendário!!...



Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

As minhas recordações desta época...são mais tardias. Da minha infância não me recordo desta época em especial...estranho, só se ligava à vertente religiosa pelo menos é o que ficou gravado.Presentes, árvore, presépio? !
Muito mais tarde uma árvore com um conjunto de lâmpadas meticulosamente pintadas com as cores do arco-íris...
São as minhas vivências...a nova geração já foi brindada com todo o imaginário desta época festiva, famliar, carregada de afectos ...

Valeu a pena?
Não sei responder.
Um Natal cheio de Amor e Carinho.
Um xi-coração da sempre amiga

Maria Romã

anamar disse...

Obrigada Maria Romã pelo teu "xi"...
Outro muito grande para ti e todos os que "encherem" o teu Natal.
"Se valeu a pena", perguntas-te...
Pois acredita que sempre vale a pena o que quer que nos fique cá dentro. Mais tarde, por uma qualquer razão, tudo isso preencherá o nosso quotidiano, às vezes tão sem graça...às vezes tão sofrido!
Uma beijokinha carregada de todos os votos bons e positivos para a minha "romã" preferida.
Anamar