sábado, 13 de dezembro de 2008

"TANTO OU TÃO POUCO..."








Olhando estas imagens,um misto de sentimentos e reflexões me atravessa o espírito: perplexidade, incredulidade, comiseração, incompreensão, angústia, espanto...

Já viajei por alguns países em que realidades como a que as imagens espelham, não são estranhas.
Países da América, países da Ásia ou da África.
Em todos eles, as franjas da sociedade mais débeis, menos bafejadas pelas comodidade e segurança económicas, vivem efectivamente desta forma, relegadas para uma quase marginalidade, de tão precária a sua situação.

Lembro indistintamente os meninos de Cuba, da República Dominicana, de Salvador da Bahia, de Phuket, de Chiang Mai ou de Malé...meninos do calçadão do Rio, das favelas, do Pão de Açúcar, ou ainda meninos dos musseques de Luanda...

Meninos todos, seminus, descalços, meninos de olhos grandes e doces, meninos de ranho até à boca, de rostos sujos, de pés informes das pedras e agruras dos caminhos...
Meninos de mãos estendidas, para quem um punhado de rebuçados ou algumas moedas, desenham sorrisos que incendeiam rostos.

Recordo habitações indescritíveis, condições higiénicas inexistentes, alimentos expostos em bancas improvisadas na beira das ruas, carnes pingando sangue, cobertas "normalmente" por moscas e poeira...porque lá, a vida é assim mesmo.

Lembro claramente toda essa precaridade, que ainda assim, à luz da nossa sociedade mais desfavorecida, parece mera cena de ficção.
Recordo flashes perfeitamente inconcebíveis e inaceitáveis, no século XXI em que já vivemos, em plena época da ciência e tecnologia...

Mas, de tudo o que vi há algo que sempre me intriga:
apesar da "miséria mais miserável" com que coexistem, apesar quase só da sobrevivência que enfrentam, apesar da inexistência de qualquer qualidade de vida, todos esses povos, toda essa gente, transmite uma leveza de ânimo, uma (pelo menos aparente) ausência de angústia, uma alegria contagiante, uma festa permanente no coração e na alma, que ficam a anos-luz do "fado", da "cruz", da "desgraça" que nós, portugueses carregamos, que ficam a anos-luz do "cinzento-negro" com que pintamos o nosso quotidiano.

Será porque esses povos são privilegiados com um sol que procura colmatar tudo o resto que lhes falta?
Será porque são abençoados com uma natureza pródiga e farta, capaz de lhes suprir as faltas no seu dia a dia?
Ou será pura e simplesmente, porque são almas simples, despojadas, que não conhecem as "necessidades" imperativas, crescentes e nunca satisfeitas, de uma sociedade de consumo que nos envenena e nos consome, como um polvo gigante que nos envolve até nos sufocar?...

Seguramente o inconformismo, a depressão e a insatisfação que arrastam consigo angústias, infelicidades, auto-destruição, são fruto de sociedades cada vez mais desumanizadas, robotizadas, consumistas, competitivas, em que o ser humano é trucidado pelas exigências e pseudo-valores que ele próprio criou.

Ao reler o que escrevi e olhando de novo para as imagens iniciais, até parece que fiz aqui uma inflexão no discurso, até parece daqui a pouco, que acabei por fazer a apologia "ingénua" do "estomatologista" de rua...

Não sejamos simplistas...
O meu texto poderia resumir-se sim, a uma única frase, a uma única pergunta, a uma perplexidade: "Porquê eles não têm nada e são felizes...porquê nós, que temos tudo ou quase tudo, o desvalorizamos, nos deprimimos, sofremos...nos "suicidamos" afinal, com tudo o que temos ao nosso alcance??!!..."

Anamar

2 comentários:

Anónimo disse...

Querida Anamar

Pois...também não sei!
E porque será que, ultimamente escreves textos tão incisivos, que nos deixam assim...como tu?
Uma coisa eu sei, é que gosto de te ler. Sempre.
beijo
Lenaspace

anamar disse...

Olá Lenaspace
Pois...não sei...
Deve ser de um crescendo de amargura ou azedume contra tanta coisa que se torna mais e mais evidente, à medida que o tempo passa, e nós passamos também...
aliás...já é Natal outra vez!!!
beijinho
Anamar