sexta-feira, 26 de agosto de 2011

"A NOITE"


A noite respira, resfolega, tem vida...

Se se sentarem à cabeceira da noite, como à cabeceira de uma criança de berço, sem barulho, na quietude, para não perturbarem ou assustarem os habitantes da noite, verão e ouvirão esses seres das penumbras que por ali vagueiam.

Eu tenho muitas insónias, muitas noites em que mais não faço do que "ouvir" esse pseudo-silêncio.
Desde os seres "invisíveis" que por lá deambulam, que só eu e a Rita vemos ... até aos que só pressentimos pelas pegadas que deixam...
A Rita dorme quase o dia todo, mas quando a madrugada sobe, os seus olhos são faróis prescrutadores do espaço. Por vezes imobiliza-se, fica estática, fixa-se num ponto, num local, no nada ... No nada pensamos nós ... mas a Rita "vê" o que por ali está...
Não é à toa que em determinados momentos vem ter comigo, como que a proteger-me ... depois vai embora ... dever cumprido!

Os estalidos das madeiras dos móveis fazem parte da canção da noite; também a chuva que bate os estores quando cai, e que tantas vezes é um som aconchegante, é por vezes uma agradável habitante da noite...

Depois há os sons "certos" de determinadas horas. Gosto de os ouvir, e por eles, repetidos que são, adivinhar sem erro, as horas que o relógio anuncia.
O carro do despejo do lixo, ecoa pelas duas ... o primeiro comboio que passa e que por haver silêncio tem um ruído que atroa... o primeiro autocarro a começar a ronda da madrugada ... a primeira persiana que sobe, o que indica que as seis da manhã estão à porta, e que a limpeza do Centro de Saúde começou... (trabalho feito por pessoal africano ... as portuguesas não o querem fazer ... ) ... as primeiras saídas do prédio ... 7 horas ... gente que ruma  aos empregos desinteressantes, à espera ...
Depois, finalmente começa o "brouhaha" de mais um dia, com a noite, essa noite, a findar...

Esta, a noite do nosso pequeno mundo ... porque depois há a noite lá de fora, a noite da cidade, a noite do mundo... aquela que tem uma magia que não se explica, apenas se "sente".
A noite das clandestinidades, das transgressões, aquela que de repente perde as horas, apenas porque fica sem horas, porque fica sem pressas, sem limites...

Essa é a noite do céu escuro, pintalgado de pontinhos luminosas lá em cima, a noite que muitos refutam, por desejos, mas medos velados... a que promete miríades de coisas, a que tem a magia do desconhecido, aguça a curiosidade dos que a atravessam, aquela que mitifica e colora com outros tons tudo o que acontece, e que quando o sol sobe no céu, não parece ter existido ...
Mas é também aquela dos que só a têm como casa, como inevitabilidade, como destino ... As noites dos vãos de escadas, das soleiras dos prédios de luxo.... dos gatos vadios!...

E pronto ... o sol vai a pino ... Afinal estou no bendito pequeno / grande almoço, no bendito "café dos velhos" ... mas apeteceu-me, não sei porquê, falar-vos da "Noite" ...

Anamar

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