domingo, 18 de março de 2012

" NUNCA SERÁ TARDE " !


" Separei-me ... não sei se em definitivo "

Esta frase foi-me largada ontem no FB, depois de uma "amiga" ter posto no seu mural o seguinte texto : "Tudo tem um tempo certo. O tempo de virar uma página, depende da determinação em se querer muito, recomeçar"...
Comentei-o, escrevendo :  "Parece tão óbvio ... difícil é chegar lá, às vezes "!
Seguiu-se um silêncio, tendo surgido depois, a frase supra-citada.  Essa frase foi para mim, longe que estava da questão em si, uma espécie de pedrada lançada na água.

Coloquei amiga entre aspas ... repararam ...
É que a pessoa em causa, não faz exactamente parte do elenco das mulheres que considero amigas, amigas. Esse é constituído por quatro, supimpas, o que me torna verdadeiramente sortuda.
Também, não posso dizer que a mulher em causa é simplesmente conhecida, porque privei com ela, com alguma regularidade, em alguns dos melhores anos da minha vida e também em alguns dos mais aterradores para mim.

Bom, nessa altura, a Isabel, chamemos-lhe assim, vivia um casamento aparentemente sólido, com dois filhos adolescentes, estudantes, detinha uma vida profissional segura e de muito bom nível, e era já então ( e já passaram talvez cinco ou seis anos ), uma mulher de sucesso, nos seus cinquenta ou cinquenta e muito poucos anos.

De tudo o que então pude auscultar nessa época, e da minha própria análise, Isabel sempre fora uma mulher emancipada, segura, de figura agradável, moderna, despretensiosa, afável nos relacionamentos, pragmática também !
O marido, um indivíduo mais novo que ela ( alguns anos, julgo ), bonacheirão, bem disposto, um permanente brincalhão, um "bon vivant", um relações públicas nato, no negócio de restauração que detinham - com imenso bom gosto, requinte, intimista, de qualidade ... reconhecido.
Efectivamente, pareciam reunidas as condições para que aquele casal fosse tudo, menos problemático.

Apesar de nos termos afastado, mercê de alterações na minha vida pessoal, sempre ambos pertenceram à minha lista de "amigos", ao alcance de um e-mail, e obviamente, agora que reactivei o FB ... ao alcance do mesmo.
Ontem Isabel "entrou", como vos disse, e largou-me aquela frase, que para lá de tudo o que possa significar, me pareceu um grito de "help"...

As mulheres "entendem-se" às vezes por meias palavras, porque os sentires são comuns, a forma de estar e ver a vida, também idêntica, porque o coração e a alma de todas, são obviamente femininos.
Umas com mais "força" que outras, algumas com maior pragmatismo no encarar das vissicitudes da vida que outras, algumas com menos resistência anímica que outras.
As diferenças advêm substancialmente e quase só, das diversas personalidades, porque na essência, serão seguramente mais as semelhanças, ditadas pelo género, estou convicta.

Da situação em si, de lamentar ou não ( penso que será sempre de lamentar), só Isabel poderá ter a dimensão do verdadeiro estrago.
Infelizmente é mais comum que o desejável, e todos o sabemos, e também não foi por isso que aqui vim escrever alguma coisa, mas sim pela reflexão que a mesma me provocou uma vez mais.

Nos tempos actuais, a incidência de divórcios de pessoas na faixa etária de Isabel, é manifestamente elevada ;  tem crescido exponencialmente nas últimas décadas, quase sempre ou em grande percentagem é desencadeada pela mulher, e remete-nos para as razões que a determinam.

Eu própria, a minha história, será em quase tudo, encaixável neste "figurino".

Trata-se normalmente de relações longas, com a existência de filhos, com vidas que embora aparentemente estáveis, sem sobressaltos e invejáveis muitas vezes do ponto de vista material, deixaram de fazer sentido, emocional e afectivamente, enquanto vida a dois.
Foram ligações que se arrastaram, com a anulação de ambos os cônjuges ( mas seguramente muito mais da mulher, devido ao seu perfil psicológico ), que se foram mantendo, quase sempre na procura da manutenção de uma estabilidade possível dos filhos do casal, das suas seguranças pessoal, material, afectiva e espiritual, se possível.
Este desiderato muitas vezes não é alcançado, pelo desgaste, pelo desânimo, pelo fosso que se cava entre as pessoas, pela indiferença doída que se instala, pelo vazio, até pela animosidade progressiva e notoriamente crescente, que se desencadeia.

Mas ainda assim, a duras penas, sobretudo a mãe, abdica da sua própria vida de mulher inteira, e em sofrimento silencioso, vai carregando uma espécie de "cruz", que a maternidade ( uma lei biológica inevitável ditada pela Vida ), lhe impõe.
Os homens, até pelas inerentes exigências sociais e profissionais, têm mais possibilidade de "defesa".
Tradicionalmente, nas pessoas da minha geração, não foram seguramente eles que asseguraram o dia a dia multifacetado e complexo, das crianças e dos adolescentes.
Mantêm portanto mais facilmente, um "estatuto", uma vida "fora de portas", preenchedores de todas as vertentes que a sociedade lhes determina e permite, profissional, social e até emocional, compreendidos, tolerados e aceites pelos desígnios machistas que ainda nos norteiam.

Por essa razão, o homem vive mais acomodado aos cinzentismos da relação, deixa arrastar um "stato quo" desinteressante e desmotivador, mas ainda assim, cómodo ( porque sem grandes atribulações ) ;  adapta-se a uma ausência de colorido afectivo ( até porque facilmente o compensa, frequentemente de uma forma extra-conjugal ) ;  aceita uma falta de exigência de qualidade de vida, enquanto parte interessada no relacionamento.

E os tempos vão passando, e as coisas vão-se arrastando, e as pessoas vão "morrendo" aos poucos ... até ao dia ...

Aquele dia em que, com filhos crescidos, já fora de casa, adultos, com as suas próprias vidas estabelecidas, independentes e autónomas ... aquele dia em que o "cordão umbilical" que vinha afrouxando, afrouxando, se corta finalmente ...

E a mulher então acorda !!!...

E acorda normalmente ( por vezes do nada e por razão nenhuma em especial, que não a de sentir dentro de si um  imenso "sismo", que a faz por em causa, equacionar e rever toda a sua existência ), e pergunta-se se vai continuar a pseudo-viver o resto dos seus dias ( e já passou entretanto cerca de dois terços da sua vida ) naquelas cinzas de fogueira há muito extinta, se vai continuar a anular-se naquele marasmo injusto e desumano, se vai arrastar-se num "faz de conta" sem volta ... se está disposta, em nome do nada que se mantém, a hipotecar para sempre os desejos, os sonhos, as vontades, a liberdade ansiada, a Vida que ainda detém, e sente pulsar dentro de si ...
Enfim, pergunta-se se tudo aquilo representa ainda alguma coisa, ou se já não faz nenhum sentido ...

E é então nesse dia, que com a coragem, a força, a determinação, a capacidade de sofrimento, o acreditar ... que coerente e honestamente, põe um basta no estado de coisas que a mantiveram em hibernação há longos e longos anos, a adormeceram, a robotizaram e quase a insensibilizaram ... e coloca o ponto final que estava faltando nessa história, com demasiadas reticências em fim de frase !...

E aí temos nós, mulheres de cinquenta ou mais de cinquenta anos, dispostas a ainda terem futuro, que enjeitam continuar com os olhos lá atrás, que não abdicam das suas emoções, dos seus sonhos, das suas esperanças, dos seus anseios ...
Mulheres dispostas a "virar a banca", que não se permitem mais serem trucidadas pelo "bulldozer" que lhes foi a Vida, que recusam serem espectadoras passivas da mesma ... que não se envergonham de repegar o futuro ( o que lhes restar ), outra vez pelos cornos ...
Que não se coibem de ostentar, se calhar com uma pontinha de orgulho, de novo, uma faceta "naïve", romântica, adolescente ...

... pela única razão de que estão dispostas a recomeçar ... ou tão simplesmente, a COMEÇAR uma vez mais !!!...

Anamar

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