sábado, 10 de março de 2012

" QUANDO O TEMPO DEIXA DE O SER ..."



Se hoje os dias acabassem, e o tempo deixasse de ser tempo, como seria olhar tudo aqui à volta, que ia ficar, quando eu já estivesse na estação das horas??!!

Iria sentar-me calmamente no banco da gare, e começaria por rever as primeiras páginas do livro ...
Desfolhá-lo, ia ser lento, embora eu não tivesse toda a lentidão disponível para o fazer!
Ia perder-me primeiro, no tempo das tranças, dos joelhos esfolados, das letras a soletrarem-se e magicamente a criarem palavras.
De certeza ia escutar risos e gargalhadas ... exactamente os risos e as gargalhadas que as Primaveras sempre permitem.  E ia extasiar-me com o olhar lânguido e doce, de tantos quantos já não vejo há séculos.
E ia interrogá-los ...  Ia perguntar-lhes como é exactamente, quando o tempo deixa de ser tempo ??!!
Apenas, eles não me ouviriam, o que não deixava de ser estranho !!!
Entravam naquele palco, desfilavam naquela "passerelle" onírica, e seguiam, sempre lenta e imperturbavelmente, tão lentamente como os gansos nos lagos, ou como as tamareiras demoram a ter frutos ...

O bibe ia ficar no cabide, e o ontem seria um pouco adiante ...

As outras páginas já não eram tão coloridas ...  Parecia que as tintas estavam a rarear, ou que o pintor já não atinava tão bem com a tela.

Mas surgiam então outras personagens, e íamos ter mais bibes, mais tranças, mais canções de ninar, mais sonhos, mais esperanças, mais amor, mas também algum desencanto, algum cansaço ...

Acontecia por vezes, voltarmos as costas uns aos outros, e depois cada um derivava para seu caminho.
Às vezes os caminhos eram paralelos, outras, eram linhas oblíquas a abrir ângulo, e portanto essas, nem no infinito se encontrariam.
Mas também havia trilhos que se cruzavam, mesmo que só se intersectassem, para se descruzarem a seguir ...

Claro que isso era numas folhas à frente ...

Ainda gritávamos, chamávamos, barafustávamos ... mas que adiantava ??!!.... O tempo era de Verão, e no Verão, o silêncio da planície é total ... nem as papoilas acordam !!!

Sol ... havia !  Havia sim !
Por entre as nuvens, no céu limpo ... ou mesmo em firmamentos de relâmpagos e trovões.  Sempre dávamos um jeito de o espreitar, e sempre tínhamos a capacidade de acreditar, que na página seguinte, tudo ia mudar a história.

O dia ainda ia a meio ...
O movimento era escasso.  Não havia passageiros em excesso naquele dia, naquela gare ... Nem todos traziam sob o braço, um livro, para queimar a espera, ou também nem todos estavam ainda interessados em saber, como era, quando o tempo deixa de ser tempo ...

Por isso, optaria de certeza, por passar página a página bem devagarzinho, a absorver o cheiro do papel envelhecido, a admirar a beleza das ilustrações, a devanear sobre o conteúdo de cada frase escrita ...

Aquela estação e aquele banco, estavam no meio dos verdes que já não eram esperança ;  mas também tinham na linha do horizonte, a penedia que despencava no mar.
E o mar sempre é alguma coisa que queremos "colar" a nós, para os dias mais desesperançosos e menos azuis ...  Só que eu já estava na estação das horas, e não podia dar-me ao luxo de o arrecadar, e levar dali !
Por isso optei por deixar vaguear os olhos até lá, ensonadamente, com a calma que ainda me era permitida ...

Espantosamente o livro cresceu, ganhou relevo ... As gravuras desenharam-se em 3D dali em diante, e foi a vez de caçar borboletas que me roçagavam o nariz, de apanhar cogumelos no bosque dos cedros, de dar migalhas à gaivota, que mercenariamente se deixou comprar pelas minhas promessas ...
Foi a vez de tentar juntar ramalhetes de flores silvestres, brancas, amarelas, róseas ... todas as que baloiçavam junto de mim, na aragem da tarde ...

Sim, porque a noite já vinha aí, os sinos dos campanários já se escutavam ao longe, e urgia juntar os minutos que ainda sobravam.

Virava as últimas folhas com alguma pressa, antes que a palavra "fim" me colhesse de surpresa, e me terminasse a espera antes da hora ...

Nesses restantes parágrafos, vos pergunto ...  esperava-me o fim da história, ou apenas o princípio de uma nova história ??!!...

Anamar

4 comentários:

Anónimo disse...

Com toda a certeza, o princípio duma nova história...
Beijinhos
Malmequer

anamar disse...

OLÁ MALMEQUER

ÉS UM DOCE E UMA AMIGONA !!!

MAS, NÃO SEI SE TE DESILUDO...ACHO QUE DESTA VEZ NÃO ACERTAS NO TEU GENEROSO PALPITE!!!

UM GRANDE BEIJINHO

ANAMAR

F Nando disse...

A questão não fica no fim ou o principio de outra história mas o tempo que fica entre o ser e o estar...
Gosto do tempo de ter tempo seja para começar ou seja o fim de uma história mas há sempre tempo...
Bjs

anamar disse...

Olá Fernando

"O tempo de ter tempo"...gostei!...

Quando ainda o há....seja para encerrar, seja para começar alguma coisa.

Sempre o tempo o dirá!

Beijinhos

Anamar