sábado, 31 de março de 2012

" A VISITA "


O meu " pequeno príncipe" esta noite aterrou-me na almofada.

Com os seus olhos doces de menino grande, trazia na mão uma rosa amarela, da cor do sol.
Conversou longamente comigo, com cuidados de não me tirar do sono, e sussurrou tantas coisas aos meus ouvidos, que embora continuasse dormindo, acredito ter acordado.

Coisas de menino ... coisas de príncipe ...

Vinha do país do sonho, do asteróide do amor ( que eu julgo na verdade já só existir num asteróide ).
Trazia consigo uma rosa dos jardins que plantara, mas contou-me dos miosótis azuis que lhe povoavam a vida.
Como todas as crianças, o rosto era iluminado, os olhos riam, as palavras bailavam-lhe nos lábios como diabinhos à solta, e as histórias saltavam-lhe da boca, à medida que o coração se lhe abria.
Sim, porque o "pequeno príncipe", ao contrário de nós, não tinha cadeado no coração ... o que aliás eu achei profundamente estranho !

Falou-me da beleza das histórias nas primeiras páginas, e de como elas também levam os príncipes pelo mundo da fantasia.
Disse-me como era feliz, por brincar de roda com as raposas, os gansos e os estorninhos, e como a alegria lhe inundava a alma, quando de manhã, de regador na mão, tinha mais madressilvas a despontar pela relva !

O meu príncipe não era exigente.
Pequenas coisas enchiam o seu reinado.
Coisas de "criança - príncipe de asteróide" ... e não coisas de Homens ...

As crianças sorriem todos os dias, basta que o sol nasça, que a lua enfeite o escuro pelas noites, ou que o grande arco de todas as cores, desenhe no céu um trampolim de salto ...
Claro que a chuva ou até mesmo o orvalho, nos musgos das montanhas, também as fazem rir em gargalhadas, rebolando-se neles displicentemente ...

Os Homens são demasiado sérios.  Carregam pesos que não suportam, nas costas e no peito, e julgam que podem ... Mas não !...  E por isso sempre choram ... choram muito !...
Também não têm tempo para os jardins de rosas e miosótis.
Correm o tempo todo, sempre de olhos fechados, e por isso vêem pouco à sua volta !
Sempre de cadeado nos corações, nunca deixam que os primeiros raios de sol, em cada manhã, lhos aqueçam !...

Os Homens já não acreditam em muitas coisas.  Não acreditam mesmo em quase nada !...

Não acreditam em recomeços, em estradas largas com horizontes, em marés que vão, mas que voltam de novo.
Não têm mais esperança sequer, que por cada Primavera, os pássaros cheguem, ou que as tamareiras voltem a ter frutos, primeiro verdes, depois laranja, de maduros ...
Não sabem mais ouvir histórias ...
Esqueceram todas as que lhes contaram à cabeceira, quando crianças ... e histórias novas, não fazem o seu estilo !...
Os Homens já não sabem onde ficaram as crianças que outrora foram, e não querem voltar a sê-lo outra vez !...

Os Homens têm medo, muito medo ... coisa que o "meu príncipe" não sabe bem o que é !
Afinal, ele tem Amigos, e com os amigos a gente divide o riso e o choro.
O medo não deixa que os Homens caminhem, para-lhes os movimentos.
O medo não deixa os Homens serem felizes, porque sempre desconfiam que o não serão ...
E faz com que fique escuro no seu planeta, tão escuro que não enxergam sequer, como é bonita a aurora que se espreguiça no firmamento, ou como o seu jardim se engrinaldaria de alegre, com uma simples palavra ou carícia !...

Contei-lhe da minha gaivota ... o que não o surpreendeu.  Afinal, como ele, eu "cativara-a", e "sempre se é responsável pelo que se cativa " - lembrou-me !
Falou-me de como as rosas sempre o esperam para lhe contarem as novidades, de como a raposa o espreita na curva do caminho ... descontando por cada batida do seu coração, cada instante que está sem ele !  E como já fica esfuziante de felicidade, só por saber que ele virá, ou pelo menos por saber que ele está lá, que ele existe e a ama ...

Os Homens não entendem nada destas coisas, de batidas de corações, de risos e gargalhadas, só porque se tem AMIGOS ou se sente AMOR ...

E o "meu príncipe" foi ficando.
Eu ouvia-o e não o ouvia.  Eu, não o ouvia, mas sentia-o !...

E a Rita sentou-se ao lado dele, na minha almofada.
Essa, é bicho ... e bicho entende lindamente coisas de crianças, e mais ainda, de "crianças - príncipes sábios" !...
A Rita percebia tudo, porque também ela às vezes não me entende.  Afinal, eu pertenço ao tal mundo dos Homens, seres esquisitos, feios e doentios!...
Esses são os dias em que ela chega em silêncio, muito séria, sorrateiramente, fica perdida a olhar-me, com os bigodes franzidos, e com um ponto de interrogação em cada olho.
Deita-se coladinha a mim, como se quisesse aquecer-me o coração, visto que ela o sente absolutamente gelado ... E abana a cabeça quando as lágrimas  me descem, como quem diz :  "Vá-se lá entender esta gente " !!!...

A Rita não fala como o "meu príncipe",  mesmo na calada das madrugadas.  Não fala, mas conhece !...

Também ela é sábia, também ela é mágica, também ela sabe miríades de coisas ... mesmo não tendo jardins  de rosas e miosótis azuis, não dançando danças de roda ...

... mesmo não vivendo nem no país do sonho, nem no asteróide do Amor !!!...

Anamar

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