terça-feira, 25 de dezembro de 2012

" OS RESTOS ..."



É espantoso como as pessoas continuam a desejar-se "Bom Natal", "Boas Festas", como se tudo estivesse normal, como se a vida corresse normal !
É espantoso  como, adormecidos que parecemos, entramos na roda, e repetimos com um automatismo confrangedor, os gestos, os passos, os sorrisos, os desejos !...

E no entanto, as pessoas dizem-se mais angustiadas do que nunca, as estatísticas dizem que as pessoas estão a consumir muito abaixo dos outros anos nesta época, as pessoas sentem-se ou pelo menos mostram-se, com algum desânimo e apreensão nos rostos, ou então sou eu que estou a ver tudo a preto e branco, "as usual" ...
Porque o que também é verdade, é que os centros comerciais abarrotam, as pessoas correm na afobação de sempre nesta altura, telefonam-se ininterruptamente a transmitirem os tradicionais votos, em telefonemas longos, de telemóvel, que têm obviamente custos por vezes não parcos ... enfim ... continua a existir a tal alucinação colectiva, a tal "anestesia" não explicada, como se o Mundo fosse acabar não a 21, mas sim, hoje, três dias depois.
O "day after" parece não existir nas mentes,  embora saibamos que se depois de uma tempestade vem uma bonança, também é verdade, que depois de uma bonança, se prevê mais cedo ou mais tarde, alguma tempestade, e a realidade em  todas  as vertentes virá aí,  e aterrar-nos-á  em cima, alguns dias depois, apenas !...

Cada vez me enquadro menos nisto tudo.
Sinto-me um pouco a toque de caixa, pelas inerências sociais que me obrigam, tendo embora, uma ausência de coração e de espírito, do que me cerca.
É triste, é lamentável, é provavelmente sintomático de alguma coisa menos boa e muito negativa, ansiar-me como eu anseio, que  as datas se ultrapassem, que os dias corram, que a droga do tal calendário, avance.

O Natal, o réveillon já me disseram muito.
Muito, quando eu os vivia de outra forma.  Era o tempo em que as prendas  se  resumiam  a  uns chocolates ( uns cigarrinhos e uns lápis da Regina ... ainda se lembram ?  Eu, pareço vê-los !... ), e uma  roupa para a solenidade do dia.
Era o tempo em que o Natal era família a sério, inteira, unida, era calor, mas humano, e não do aquecimento central das casas.
Era o tempo em que o Natal era "missa do Galo", na meia-noite gélida do Alentejo, ou  na noite fria da Beira.
E era Natal de gente com corações a bater.  Havia pertença, havia chão, existiam laços, uns mais visíveis que outros, mas existiam !...

Hoje, os valores materiais tomaram conta dos restantes ;  todos  o  sentimos,  todos  nos  insurgimos  " em teoria ",  mas  todos  claudicamos !
Parece não haver força objectiva para deter a "correnteza" dos acontecimentos, e do que está assimilado, a começar pelas gerações mais novas, infelizmente.
Por outro lado penso, que estaríamos numa época privilegiada para reverter o curso das formas de pensar e sentir, porque afinal, a sociedade está em convulsão atroz, e talvez mais do que nunca, fosse altura para PARAR, que é algo que o ser humano sabe já pouco o que é.
Parar para reequacionar, parar para reverter, parar para iniciar outros caminhos, mudar mentalidades, ensinar tudo de novo, sobretudo a reavaliar o essencial em detrimento do supérfluo, do dispensável, de tudo o que está a mais e desvaloriza o verdadeiro, o que vale a pena, o que é autêntico !

E depois há a solidão, depois da consoada ...
Há o vazio, que é muito mais vazio, quando as luzes se fecham, quando a mesa se levanta, quando a árvore se desmancha, quando os risos se calam e as gargalhadas dos inocentes emudecem ...
É quando os silêncios nos assustam, quando nos sentimos abandonados sem coordenadas, quando todos os cordões invisíveis que nos mantinham em pé e nos impulsionavam adiante ... como farrapos de luar, sumiram, em noite de céu carregado ...
É quando se escancara um buraco aqui no peito, que nos sufoca o coração, e nos põe a alma a escorrer gotas de água em avalanche incontrolável ...
É quando o ser humano fica mais só consigo mesmo, é quando o vazio é muito mais tétrico, porque as ausências se fazem sentir, mais prementemente, e quando no nosso quarto, perambulam só recordações, fantasmas e retalhos de vida ...
São os restos, com que no dia seguinte, como numa ressaca imensa e colectiva, tentamos fazer "roupa velha" de afectos, de emoções e de sonhos !

Anamar

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