terça-feira, 30 de julho de 2013

" CHEGA !... "



Há vinte e um anos, o meu pai partiu.
Era então uma quinta-feira com sol, como hoje.  Com calor, a mascarar o frio da morte.
Mas ela rondava por ali, e levou-o de mim, na primeira grande perda da minha vida.

Eu não suspeitava então, como a vida é feita de perdas.  Como nos vamos esfarrapando dia após dia, como nos vamos amputando, afecto depois de afecto.
Eu não sonhava de facto, como o nosso caminho se vai bordando de silêncios, de solidões, de ausências ...
E como ele se faz tão rápido, como corre indiferente, à medida que se agigantam o desencanto, o sofrimento ... e o vazio se instala.

Há quatro anos, partiu o Óscar.
O Óscar foi o meu gato durante dezasseis anos, e pode parecer ridículo, insano até, que aqui refira a sua perda, parecendo colocá-la ao nível da perda do meu pai.

Os amores não têm gradações, não têm tipologia, não são triados, nem escalados ...
São simplesmente AMORES !...

Com eles ensolaramos a vida, com eles acordamos vencedores por cada dia cansado, com eles percebemos que vale a pena, até o que de facto é insignificante e pequeno.
Com eles, somos capazes, apostamos, desafiamos, tornamo-nos invencíveis, tornamo-nos hercúleos ...
Com eles, ficamos crianças na pureza das emoções, crédulos na força das convicções, despidos do sombrio que nos habite, generosos e incontidos no esbanjamento do melhor dos nossos corações ...

Por isso, o Óscar também me levou um pouco ...
E eu empobreci, seguramente !

Mas continuava sem suspeitar de como a vida, certeira, cirúrgica, assertiva, me iria atingindo, na inevitabilidade dos tempos ...

E de mansinho, aqui e ali, sem me avisar, preparar, sem se condoer com o estrago, como um meliante salteador, ela foi invadindo, pela calada, a minha propriedade emocional e afectiva.
E sem piedade, saqueou, vai saqueando diariamente, vai carregando de mim tudo o que pode, vai-se apropriando do corpo, do coração, da mente, da alma, do sorriso, da alegria ... e vai-me confinando mais e mais, à exiguidade de mim mesma ...

O ser que sou hoje, está cansado, exausto, exaurido de vontade, vazio de esperança, nu de sonhos ... gasto ...
Hoje, sou uma anciã que se arrasta na escalada da montanha, sou um caminheiro que titubeia os passos da jornada, sou um viajante hesitante do percurso, sou um viajeiro sem convicção do destino !...

Hoje, eu não quero mais !
Hoje, eu já li e já fechei, todos os livros que tinha que ler, já virei todas as páginas que tinha que virar, já abandonei todas as personagens, de todos os filmes que povoaram a minha existência ...

Hoje, eu digo ... CHEGA !!!...

Anamar

Sem comentários: