quarta-feira, 9 de outubro de 2013

" DIA MUNDIAL DOS CORREIOS "

 

" Sempre que me perco de ti nas palavras, procuro encontrar-te nos sonhos e nas ideias "...

" Um dia, as cartas serão História, lidas, contadas e relembradas ... ainda que quem as escreveu, não esteja mais aqui "


Olhei a preceito aquela arquinha de folha, encarrapitada no armário da estante, de portas fechadas, com cadernos e mais cadernos em cima.
Uma espécie de baú do tesouro, de tesouros esquecidos, e amarelados pelo transcurso dos dias ...

Esquecera há muito o seu conteúdo.

Um pouco de tudo, um pouco de nada real, muito de Vida ... poeira dos tempos, acumulada em estratos, na memória, como as camadas rochosas lá das falésias se acumulam nos milénios !
E do pouco do tudo real da vida vivida, os maços de cartas trocadas, enlaçadas por fitas de seda, ou por cordéis de ocasião, dormiam há muito, embalando num sono de gerações, palavras ditas, juras seladas, sonhos revelados, ideias  acalentadas, emoções divididas, afectos partilhados ... segredos escondidos ...

Pessoas que foram ...
As que já partiram, e aquelas que foram e já não são, embora parem por aqui.

As fotos a sépia, desfocadas, apagadas, esbatidas, de  destrocas de amores terminados ... de novo, nas minhas mãos ...
Os dias revisitados, quando se percebe pela letra miudinha da tinta permanente, que aquele dia de Março, fora chuvoso, cinzento e triste ...
A devassa aos corações, quando estes se escancaram ( de novo por entre a caligrafia quase infantil ), e jorram despudoradamente amores incontidos, ingénuos, esperançosos, com a força e a pujança de uma vida não conhecida, só sonhada, só adivinhada ... talvez desejada ... no nosso então, futuro ...
Saudades a escorrerem pelos cantos da arca, violando os envelopes cuidadosamente abertos ...
Promessas que voejam, como traças dos tempos, por entre as folhas envelhecidas, soltando aqui e ali, pétalas secas, ou poemas largados ... ou manchas de uma ou outra lágrima traidora ...
Emoções desbragadas, com o ímpeto e o impulso, que só a juventude lhes confere ...
Sonhos sonhados, cobrando juros muito baixos, porque éramos então, fortalezas inexpugnáveis, e inabaláveis, sequer ...

Soltei três ou quatro, aleatórias, como aleatória  foi a existência ...

E  antes de relê-las, cheirei-as.  Uma e outra vez, profundamente, exaustivamente, muito lentamente ... como que à procura ...
E deixei-me embriagar pelo eflúvio que delas emanava, e que, como um elixir ou poção mágica, teve o poder de comigo seguir, numa viagem alada ... embora eu continuasse ali, estática, sentada no chão da sala, com a arquinha entre as pernas.

E viajei, viajei aos tempos em que o carteiro premia a campainha, aos tempos em que o peito sufocava, as batidas do coração aceleravam, a alma de menina se desgovernava pela fantasia ...
Aos tempos da ansiedade e da urgência da leitura das letras, do soletrar das frases, depositadas naquelas folhas de papel, dias atrás, contudo ainda quentes, fogosas e promissoras ...

E revi-me.  E revi todos, comigo !

Olhei o meu sorriso de então, olhei o meu ar doce e ruborescido, ainda não maculado pelos destinos, senti a minha bonomia,  transbordando de um coração ainda não machucado pela sina ... percebi como eu era credora, no viver ...

E estava tudo ali ...

Naquelas folhas, dentro daqueles envelopes selados a um escudo, gravados pelos tempos, contando histórias e mais histórias, que faziam a minha História ... naquela arquinha de folha, na doçura do silêncio e da paz, mergulhadas no pó dos tempos, preparadas para atravessarem gerações, rumo à eternidade, envoltas em laços de fita de seda, ou cordéis de ocasião !!!...





Anamar

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