sábado, 19 de outubro de 2013

" RED OCTOBER "



Tenho um "parti pris" com as boninas.
Decidi para mim,  que as boninas são uma espécie de miosótis, tipo campainhas dependuradas em fileira pelos galhos.
Depois,  disseram-me  que  boninas  eram  uma  criação  poética,  simplesmente .
Garantiram-me  mais  tarde, que  no  pórtico  axial  dos  Jerónimos, existem  por  lá  umas  quantas, "plantadas"  no  calcário  de  lióz.
E a Wikipédia, afiança que elas são uma sorte de margaridas ...
Eu  sabia  que  era  tema  tão  polémico,  que  de  facto, eu  só  podia  mesmo  ter  um  "parti pris" em relação a elas ...

Entretanto, a tarde apagou a luz mais cedo, graças ao cinzento plúmbeo,  uniforme e respeitável que cobriu tudo, impedindo-nos de sequer termos horizonte.
Logo hoje, que é noite de lua cheia !...
Estou em crer que com a crise instalada, nem a lua resiste, e faz como nós quereríamos fazer : sumiu !...

Pelos nossos olhos, a borrasca social desfila, amedrontadora, à semelhança da borrasca que brame lá fora, duma Natureza incomplacente, que despeja rios de água dos céus, e ventos tão desgovernados e destruidores, como os tempos que vivemos.

A incidência de situações dramáticas de vidas, a incidência de denúncias públicas de fraudes e corrupção, o desvendar de injustiças sociais na distribuição de bens e regalias, no igual acesso a oportunidades, a ausência de escrúpulos na prestação cívica e de cidadania, os privilégios gritantes de alguns ... a exclusão social de tantos ... avolumam-se ...
Avolumam-se a ponto de nos retirarem até, a pouca saúde de que se vai dispondo.  Mesmo a saúde do corpo, porque a da mente, menos obediente a vontades, prudências e lógicas, sempre nos desautoriza, e claudica inapelavelmente.
A tristeza sente-se no ar que se respira, e nos rostos carregados que olhamos ;  o desnorte desorienta-nos as vidas, por cada dia ;  o medo, ou melhor, o pavor de animal acossado, atormenta-nos o espírito ...
Os que ainda esperam, fazem ouvir os seus gritos da revolta, da raiva, e da fome, por este Portugal fora, em eco de desespero, em estertor de moribundo ...
Neste Outubro vermelho, ainda há quem acredite !...

Mas o cansaço toma-nos conta, e gera a indiferença álgida, de quem luta com forças desproporcionadas, a forças titânicas que nos transmitem a impotência do não valer a pena, da desistência e da desesperança ...
E é um lusco-fusco na alma, de candeias apagadas, é um anoitecer de corações que não encontram mais alegria ... sequer justificação de vida !

E vai-se andando, em filas de penitência não devida, cumprindo penas não merecidas, arrastando grilhetas nos pés, com o peso do imobilismo da alma que sangra, e com a insensibilidade duma pústula que gangrenou de tal forma, que já quase nem dói ...

E a alvorada que nunca mais chega !!!

E o frio do Inverno a aquietar-nos os últimos lampejos da energia que se nos escoa, nas madrugadas sem fim ...
E o mar, e o temporal incessantes, a açoitarem o Mundo lá fora ...
E a lua que se esconde, no nosso céu negro, que não abre  ...

E até as boninas, que sejam lá o que forem, não florescem mais aos meus olhos, apesar do "parti pris" que tenho com elas !!!...



Anamar

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