sábado, 12 de outubro de 2013

" ISTO SOU EU A PENSAR ... "



" Um Universo não é mais o mesmo, se lhe faltar uma só das suas partículas "


A morte liberta, tenho a certeza !

Ontem, quando entrei naquele espaço exíguo, escuro, sujo e malcheiroso, que a dona deixou há quinze dias, tive a certeza disso.
Uma penumbra pesada, um abandono do que ficou e permanece exactamente nos mesmos sítios, com os mesmos cheiros, como se tivesse sido dito : " Vou ali, já volto ... "

O frigorífico que não se esvaziou, a roupa que não se pendurou, a que ficou suja na cadeira, as flores que não se regaram ... as janelas que não se abriram, como se quisesse vedar-se ao sol, a entrada ...
Não se gastou o shampô até ao fim, o sal no saleiro também não, aposto que ficaram cabelos na banheira ... e o cheiro da morte pairava por lá.
Era um lugar pesado, silencioso, sozinho.
Tinha a cor de um fim de dia sem esperança, tal qual aquela escuridão que se abatia já, naquele meio de tarde de um Verão, esse sim, que parecia não querer partir.

Aquela casa não tinha horizonte, não tinha luz, não tinha perspectiva.
Não tinha histórias, nem gargalhadas, nem crianças, nem luas cheias, no céu.
Aquela casa só tinha silêncios, escuridão e peso ...  Aquela casa pesava toneladas, que é uma medida dos Homens, pesava infinitos, que é uma medida dos deuses.

Era seguramente uma casa de passagem ... Claro que era !
Percebia-se perfeitamente que ali, fazia tempo que a vida se estava a ausentar devagarinho, pé ante pé, sem estardalhaço, p'ra não assustar ninguém.
Havia  uma  noite  persistente,  instalada, de  fora  para  dentro,  mas  sobretudo  dentro,  que  atacava  a alma  mal  se  transpunha  a  soleira, ( como a humidade sobe aos ossos, no Inverno, e os musgos cobrem os troncos ), que oprimia o peito e amedrontava a voz, que sufocava e atormentava o coração.
Havia uma espécie de susto, mal disfarçado, que se sentia, e o recolhimento estranho das capelas, que nos faz caminhar levezinho, roçagantemente, como os gatos ... exactamente como os gatos, que se insinuam sem se anunciarem ...

A ida àquela casa foi demasiado perturbadora !
E se, claramente já o percebia antes, deixei-me tomar por duas reflexões inequívocas.
Claramente vi, como a ausência de "janelas" na existência, como a incapacidade de adaptabilidade e aceitação da mesma, como a ânsia de busca de paz ... empurra as almas exaustas, a procurar em desespero,  além das paredes do sofrimento, além dos muros da solidão, além dos portões da tristeza, além das algemas da indiferença ... uma hipotética saída, uma qualquer aparente escapatória, uma solução ... algures, onde haja uma cancela que pareça abrir-se, e as convide a passar ...
E ao decidir-se atravessá-la, nada, absolutamente nada nos detém já, do lado de cá ...
Nada mesmo, tenho a certeza !...

Por outro lado,  aquele espaço conscientizou-me duramente,  para a pequenez da realidade humana, na dimensão e na importância, e a sua irrelevância, face à continuidade, quando afinal, sempre  nos  julgamos sumamente especiais e únicos, quando temos a prosápia de nos sentirmos centros de universos, pedras insubstituíveis, entidades determinantes, quando nos "vemos" pequenos deuses na nossa ínfima realidade ... e nisso acreditamos, e isso defendemos acerrimamente, como se fosse importante e verdadeiro !...

Pobres de nós !!!

Como  qualquer  grão da poeira que cobria tudo naquela casa, temos a insignificância do nada, a dimensão do mais absoluto nada ...
E cá fora, tudo coexiste com a indiferença que já existia, anonimamente, insensivelmente ... como sempre o foi, afinal !
De facto, somos todos, demasiado NADA, para que o Universo pare, se perturbe, se abale no seu equilíbrio precário, ou sequer, para que uma nuvem passante, deite uma lágima cá para baixo ... de compreensão ... pelo menos, de compreensão !...

Ao chegar à rua, só tive uma urgência, absoluta e imperativa :  olhar o sol, que ainda não se havia posto !!!...

Anamar

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