terça-feira, 1 de abril de 2014

" FUGAS "



À medida que os anos passam, à medida que já andei mais do que tenho para andar, mais me afasto do ser humano e mais me aproximo da Natureza, e de tudo o que ela nos disponibiliza.

Neste momento da minha vida, há duas coisas que não só aprecio, como valorizo primordialmente, e me são imprescindíveis : por um lado, desde logo, poder usufruir de uma conversa amena, sem pressas, em paz, bem tranquila, com alguém que me interesse vivamente ... por outro, poder mergulhar na quietude que a Natureza pródiga e generosa nos oferece ainda, em pequenos retalhos deste nosso conturbado mundo !

De facto, poder estar junto de alguém com quem sinta afinidade, conversando de tudo e de nada, como uma personagem nua em cena, sem limitações, sem preocupações de retoques ou artificialismos,  quer na presença,  quer na palavra, quer no gesto ...

Poder mergulhar numa partilha de opiniões, de pensamentos, preocupações, ansiedades ... ou alegrias, ou novidades, ou dúvidas, ou projectos ... ou mesmo sonhos ... ( aquelas pequenas / grandes coisas que nos afloram à cabeça, com ou sem relevância, mas que são a nossa vida em cada momento ) ...

Poder sentir gente com coração, calor e cumplicidade ... aquela coisa invisível que passa e nos aquece a alma, nos sustenta o espírito ... numa identidade perfeita, na identidade que se reconhece, quando do outro lado, ao nosso lado, está alguém que amamos, seja o filho, o amigo, o amor ... alguém a quem dizemos tudo, sem receios das nossas fragilidades, porque não nos julga, apenas nos ouve ... e nos aluga o coração gratuitamente ...
em suma ... alguém que fala a nossa língua ...

Poder tudo isto, é sem dúvida, verdadeiro luxo da existência, privilégio da vida, que nos faz sentir ricos e sortudos ...

Por outro lado, confundir-me com a Natureza, miscigenar-me com a assombrosa generosidade com que nos surpreende diariamente, mês após mês, estação após estação, olhá-la simplesmente, ou mergulhar apenas no seu silêncio, é retemperador de forças, é equilibrante para a alma, e é uma alegria sem limites para o nosso ser !...

De facto, cada vez mais me afasto das aglomerações de gente, dos eventos sociais normalmente desinteressantes, entediantes, frívolos e vazios.
Lugares de arrebique e ostentação de "plumagem", de arroubos narcísicos e carícias para os egos enfunados, infelizmente.
Não passam quase nunca, de feiras de vaidades, despojadas de conteúdo de valer a pena.
São quase sempre, verdadeiras perdas de tempo !...

E refugio-me então, em espaços tanto mais interessantes, quanto menos foram sujeitos à intervenção humana. 
Os  locais mais selvagens, mais inóspitos, menos "trabalhados", são sem dúvida os mais gratificantes, preenchedores e enriquecedores.
O homem sempre estraga, sempre adultera alegando alindar, ordenar, disciplinar.
Como se a Natureza carecesse de disciplina, e não tivesse a sua, a própria, a harmonia ditada pelo Artesão que a arquitectou, jamais inigualável ou substituível !...

Por isso, sempre que posso, fujo da babilónia em que o Homem vive,  fujo do labirinto de betão, onde quase sempre o sol tem que pedir licença para entrar, onde o verde é regateado ou plastificado, onde o azul do céu se espreita "à surrelfa" por entre muros, onde os sons têm a agressividade do matraquear humano e do motor das máquinas, onde o ar tem o peso dos escapes poluidores, onde não há pássaros, não há insectos, não há o embalo manso da brisa no arvoredo, não há o aroma adocicado das flores espontâneas e coloridas ... muito menos o cheiro a terra molhada ...

... e procuro um pouco de tudo isto, e submerjo no cerrado da serra, atravesso os córregos da planície, subo ao alto das escarpas, e converso com a claridade esbanjadora do astro-rei, e sorrio com os farrapos brancos da espuma nos rochedos verdes, e sugo e deixo que a aragem se me entranhe até ao mais recôndito de mim mesma, e tactuo-me com as estrelas do firmamento escuro,  onde a lua altiva, impera ...

... para não definhar, entristecer ... morrer ...
Para ter a certeza que, apesar dos pesares, ainda estou viva !!!...

Anamar

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