segunda-feira, 14 de abril de 2014

" MIL COISAS ..."




Mil coisas para fazer ...

Ao que parece, Manuel Forjaz tinha mil coisas para fazer, por dia.  Fazia listas exaustivas de actividades, programava a vida, a mil à hora ...

Deixei de "ter coisas para fazer" por dia, e acomodei-me a amodorrar-me no meu canto, a esperar o dia cair lá fora, a olhar o sol  a  descer nas nuvens ou no céu limpo, azul ou róseo, até tombar na linha que determina estar na hora de fechar as cortinas ...
Indiferentizei-me quase, com o passar das horas,  num desperdício injusto e  aterrador.
Insensibilizei-me, numa espécie de espera de vida a correr.
E como um doce requentado, fora de prazo, vou azedando aos poucos.  Como uma maçã bichada, esquecida na cesta, vou apodrecendo aos poucos ...  Como o atleta esgotado que atira a toalha ao tapete, desisto todos os dias um bocadinho ...

E não faz sentido, não é lógico, não é justo !...
Caracoleta que estou, vou morrer de preguiça  de  me mexer, me agilizar, me interessar, lutar, ou pelo menos esbracejar ... acordar ... viver !!!

E vivo no escuro, no lusco-fusco, na penumbra ... no crepúsculo interior.
E vivo de pescadinha de rabo na boca, em círculos concêntricos e herméticos, sobre si mesmos, sem porta de saída ...
Acordo, olho a paisagem lá fora, vejo o filme a passar, película igual todos os dias ... e não saio da plateia ... não abandono a sala ... nunca ...

Faltam-me razões.  Razões de acordar, razões de rir, razões de sonhar, razões de querer e de crer, também.
Faltam-me  forças para serrar as grades que me prendem por detrás dos jardins, que me enjaulam em gaiola de cansaços ...
Faltam-me motivos que justifiquem que eu espere ... a Páscoa, o Verão ... o Inverno outra vez ...
Faltam-me justificações para que me sobressalte, me surpreenda, me agite, me encante, me emocione ... Justificações para que chore ...
Chore ... choro de vontade, choro de avalanche que rebente diques, choro de excesso, choro de exagero ...
Porque sempre fui uma mulher de excessos.  A minha alma não vive regada apenas ... só vive inundada.
Não  vive  morna ... só  vive  a  queimar.  Não  vive  de  mais  ou menos ... necessita de tudo.  Tudo, até esgotar !...

Não consigo viver de dias pardos.  Ou quero dias de escuridão absoluta, com borrasca demolidora por sobre a cabeça ... ou dias em que o sol me cegue os olhos.
Em que os azuis, os verdes e os prateados do mar, me ofusquem .
Dias,  em  que as cores das  flores  desabrochadas, ganhem  às  cores do  arco-íris,  porque ainda mais belas e variadas ...
Dias em que as borboletas acenam liberdade,  em volteios azougados
Dias em que os cheiros, não cheirem só ...  Mas me sufoquem de aromas entorpecentes ...
Dias  de  conversar  com  os  pássaros, dias  de  adormecer  no  batuque  dos  tambores  na  savana  de  África, dias  de  me  largar  louca, com  os  cabelos  empurrados  pela  brisa  da  tarde ...

Eu tenho urgência !

Urgência de ter mil coisas a fazer por dia, mil sonhos a sonhar por noite, mil palavras a dizer a mil ouvidos de escutar, de ter mãos para agarrar, braços para prender,  boca para sugar ... de ter futuro para alcançar, de ter vida para viver ...
Urgência de renascer, urgência de trilho para andar, ar para respirar, praias para naufragar, montanhas para escalar ... todas as cores para pintar ... qualquer coisa ... qualquer coisa ... mil coisas ...

Porque eu tenho urgência mesmo !!!...

Anamar

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