segunda-feira, 28 de abril de 2014

" PRAGMATISMO "



Cheguei a uma fase da vida em que já não faço concessões.
Sei o que quero.  E, ou tenho, ou não tenho.  Não faço mais, vida de brincar !

Durante mais de três décadas, nos recuados anos 70,  80  até  2000, assisti de cadeira, ao desfilar da vida  à minha frente, imbuída de um amorfismo que me chegava à alma.
Vivia numa espécie de determinismo, de acomodação, de inevitabilidade.  Não corria riscos, não ousava, não tentava nada, além do figurino compaginado para o que considerava ser, o meu destino.
Foram as décadas que conduziram as minhas filhas até à idade adulta, e enfim, a alguma emancipação.
Digo "alguma", porque acho que os filhos nunca se emancipam de vez, nunca cortam as pontes de ligação entre o cais e a embarcação, que lhes sugerem segurança, que lhes sugerem estarem espaldados  ou aconchegados, pelo menos afectivamente.  Às vezes, não só !

Depois, dei uma volta ao mundo, ao meu mundo, e reverti totalmente o que tinha.
O modelo antigo foi deixado sem sobressalto, dúvidas ou arrependimentos, e a minha vida passou a ter um sub-título : liberdade e independência.
Aprendi a dar poucas satisfações à minha volta, naquela espécie de urgência que sempre tinha de o fazer, a todos quantos me rodeavam, por hábito, submissão ou princípio.  Ou simplesmente porque fui educada assim !
Em termos práticos, passei a entrar, a sair, a ir, e a vir, sem justificativas, e apenas ao sabor da minha vontade ... passei  a  abrir a  porta e a  fechá-la,  às horas que me apetecia ... passei a saborear o que me deu na gana ...
Passei a fazer escolhas, aceitando aprioristicamente, as inerentes consequências.  Passei a jogar, jogos limpos e jogos viciados, e aprendi a identificar as cartas marcadas.
Pratiquei  as  "artes marciais" fundamentais para a luta diária, e também golpes de auto-defesa, mais ou menos elaborados.
Talvez  tenha  perdido  a  graça  da  ingenuidade de antes. Talvez  tenha  radicalizado e endurecido ... quem sabe ?!...
Enfim, comecei a aprender a gerir uma sociedade uni-pessoal,  com todos os riscos, sucessos e fracassos, onde verdadeiramente só os meus gatos me controlavam.

Passei períodos variáveis de felicidade.
Períodos em que a casa me abafava, em que a casa era uma masmorra onde parecia cumprir pena, e outros em que a casa passou a ser o ninho, o refúgio por que ansiava, o lugar onde me acolhia quando a borrasca zurzia cá fora, ou o buraco-trincheira onde me escondia do sol, quando  esse  então me incomodava !
Períodos mais negativos e sofridos, às vezes ... períodos de terapia equilibrante, outras.
Cíclicos ... sem dúvida cíclicos, flutuando entre os zero e os cem por cento de satisfação pessoal, extremada que sou !

Rainha e senhora na gestão do espaço e do tempo, alicercei-me em rotinas, confundi-me em hábitos, em ritmos de que não abdico muito. Sou pouco versátil !
São cómodos, exigem pouco esforço de adaptação, não necessitam vencer a guerra diária da inércia. E eu sou preguiçosa, reconheço.
Aparentemente voltei ao cinzentismo e à falta de exigência de vida. Apenas, agora sou eu que dito autonomamente  as regras do jogo !

E os anos foram passando.  Outra década transcorreu na minha ampulheta.

Hoje habituei-me a estar sozinha, andar sozinha, viajar sozinha.  Obviamente, rir sozinha às vezes, chorar sozinha, muitas outras.
E penso que tudo poderia estar perfeito, não sentisse contudo que perco, o muito de bom com que a vida, nesta minha faixa etária, deveria compensar-me : a alegria da partilha, do diálogo, da dialéctica, do aconchego, do ombro  ...
Até mesmo, da tranquilidade que nos proporciona alguém por perto, alguém portador de uma palavra, alguém que propicie um carinho, sem falha, incondicionalmente, como devem ser os afectos nesta rampa em que começamos já a claudicar...
Rampa em que, maduramente, as ilusões dão lugar à estabilidade, em que a tranquilidade ocupa o lugar da turbulência  das grandes emoções, e da adrenalina da vida a mil à hora ...
Fase da vida em que ao contrário de uma abertura ao exterior, levada a cabo nos períodos da adolescência e da juventude, se inicia um retorno ao nosso âmago, à nossa verdade, à nossa autenticidade !
À valorização, do que de facto  importa !
Em que privilegiamos valores reais, e em que a disponibilidade da alma e do coração, nos embala e adormece, na vida vivida em tons pastel, suaves e doces, como deverá ser o  empedrado da nossa última calçada !!!...

De facto, a  minha sociedade uni-pessoal parece ser de menos !!! ...

Anamar

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