Num intervalo de vinte e quatro horas, morreram duas individualidades que não conheci, com quem nunca falei, mas que pertenciam ao mediatismo, que os órgãos de comunicação social confere a alguns.
Coincidentemente, ambas pessoas relativamente jovens ainda, e ambas, figuras cujo desaparecimento me deixou a pensar ...
Uma delas, actor da ficção brasileira, entrou pela minha casa adentro, há largas décadas, nos tempos em que Gabriela Cravo e Canela, enfeitiçou muitos portugueses, na novidade que era então, o formato novelesco em televisão, e em que o Brasil, adocicado em linguagem e gestos, nos cativou quase a todos.
Era o tempo em que se abreviavam os afazeres, para que na hora da novela, dela pudéssemos usufruir religiosamente, já descontraídos e relaxados no sofá, e em que a história e as personagens se nos colavam à vida.
Ríamos, discutíamos o enredo, e sonhávamos também, com as mirabolantes aventuras e desventuras, tramas e romance, com que Sónia Braga, Nívea Maria, António Fagundes, Ary Fontoura, Paulo Gracindo (o temível cacique local, coronel Ramiro), José Wilker, o galã Dr.Mundinho ... e tantos outros, , nos brindavam, capítulo após capítulo, numa história já tão familiar, que não quereríamos acabar mais ... de tal forma já fazia parte das nossas histórias também ...
Corriam então os anos setenta ...
O Dr. Mundinho, um galã de voz grave e morna, com todo o seu charme, era um bonitão que envolvia a mulherada da época ...
Pois, José Wilker, a ele exactamente me refiro, deixou-nos repentinamente e sem que nada o fizesse prever, aos 66 Anos.
De posse de toda a sua plena forma física e intelectual, com todas as suas características pessoais e profissionais de actor de excelência, intocadas, partiu, assim do nada ... apenas porque estava vivo! ...
Não teve tempo de conjecturas, determinações, reflexões, suspeitas sequer, sobre o que num instante, o surpreenderia.
Não teve tempo de arrumar a vida, arquivar sonhos, preparar-se para a viagem ...
Manuel Forjaz, cinquenta anos, uma personalidade que se tornou conhecida do grande público, pela sua coragem, o seu posicionamento, a sua alegria nunca derrotada, a sua luta estóica e denodada, contra o cancro que o vinha afectando desde há cinco anos . .. partiu também.
Segundo ele, morreria de um cancro que nunca o mataria !!! ...
Foi incapaz de se submeter ao seu determinismo, e provocadoramente, nunca abdicou de viver um só dia como quis, com toda a plenitude possível, com toda a aposta de fazer valer a pena ...
Jamais permitiu que a sua vida ficasse ensombrada pelo fantasma da doença, jamais permitiu que esta lhe impusesse timings e limitações, e preocupou-se em aproveitar toda esta energia e positividade que reservava, face à "sentença" ditada, para exercer uma espécie de apostolado junto de todos os doentes cancerosos, como ele.
" Don't believing", foi o tema musical que escolheu para acompanhar o seu próprio funeral ... " Não se distraiam da vida", o título do livro que publicou, poucos dias antes do seu passamento.
Um livro de auto-ajuda, com uma abordagem pedagógica e didáctica, destinado a quem necessite de uma verdadeira lição de vida, destinado a todos aqueles, para quem a vida deixa de fazer sentido, perdidas a coragem, a fé e a esperança, face a um diagnóstico terminal.
Com uma abordagem pragmática, realista e sobretudo interventiva, pugnou sempre por agir junto daqueles que se negam a continuar, ao longo dos dias que ainda lhes estão destinados.
Entretanto ... as flores rosa e lilás, na segunda fornada da floração primaveril, começaram a despontar na mata. A beleza das glicínias, nos seus cachos diáfanos de gotas de chuva, já espalham o seu aroma por aí ...
Até porque o sol brilha de novo ...
Afinal, de facto a Vida continua sempre ... E tantas vezes eu me distraio dela! ...
Anamar
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