segunda-feira, 13 de abril de 2015

" QUANDO FOI ?? "




"Força, faça força ...  Vá, segure a minha mão e faça força !"

Aguentava-se ... que remédio.  Era muito menina ainda, inexperiente, mas nunca foi de fazer escarcéu,  houvesse  o  que  houvesse.  Tentava  sempre  aguentar  firme, discretamente ...

"Pronto, já cá está.  É uma menina !"

Aliviada, dizia sorrindo : "Ainda bem !  A irmã queria uma menina !  E é perfeitinha ?"

No tempo em que ainda não se sabia que poderia ser uma menina, e em que a "perfeição" se concluía naquele justo instante ...
Pergunta-se  hoje como seria concluir da perfeição, naquele momento ... Dois braços, duas pernas, mãos e pés ... cinco dedos em cada ... ?!

Era assim !

"Chorou" !... Óptimo, excelente ... está feita à vida !...
Engraçado !  Quem lhe falaria então, em produções independentes, bancos de esperma, barrigas de aluguer, partos na água ... sequer fertilização "in vitro" ?!...  Quase escolha por "catálogo" !...
Quem lhe falaria ?!...

E então o tempo passou ... algum tempo ... tempo de mais ...

Quando foi que deixaram de lhe sentar o colo ?
Quando foi que o beijo se tornou rápido, à entrada e à saída da porta ... na visita ... Coloquial ?
Quando deixaram de rir com ela, de lhe contarem histórias, de chorarem mágoas, dividirem desgostos ou  simplesmente "desgostinhos" ?
Quando passou a ficar estranho, apertá-las, estreitá-las, cingi-las a si, a ponto de lhes sentir as batidas do coração ou o calor do peito, sem que sentisse de imediato levantar-se de permeio, o tal mar de ondas agigantadas, sem que sentisse de imediato que a terra abria e afastava duas metades, que só às vezes lançavam pontes ??!!
Quando passou a haver ali o distanciamento doído da vida, que de repente mostra outros, no lugar dos nossos, mostra estranhos no lugar de conhecidos ?!
Quando foi que se desconheceram pela primeira vez, quando foi que a linguagem se tornou ininteligível ... e as braçadas aprendidas já não as guiavam para a mesma margem ?!

Terá sido apenas quando deixou de fazer falta nas cabeceiras, a acalmar pesadelos ?
Terá sido apenas, quando as madrugadas já não precisaram de silenciar choros, o sarampo já havia eclodido, e as letras e as contas não precisaram mais ser perguntadas ?
Terá  sido,  quando  lhes  cresceu  o  pudor de já  se  acharem  gente  grande, e  por  isso,  ridículas ?

E pronto ... não há "rewind" a fazer !
As mãos e os braços desabituam o gesto do afago, o regaço já não sabe fazer colo, os olhos choram para  dentro.
Às vezes a memória empurra uma mão teimosa carente de carícia, obedecendo a um coração que não entende ...
Mas ela recua a meio caminho.  Fica sem jeito.  Esqueceu o trilho, receia o "estranho" em guarda, do outro lado ...
A linguagem emudece, não se solta ... recua além dos três primeiros passos.  O fosso não se atravessa.  Há um arame farpado armadilhado, no meio do percurso ... inexpugnável !...

E só passaram alguns ... demasiados anos !...
Que raios !  Onde poderia ter aprendido outra maneira ?  Será que havia "outra maneira" ?!
Hoje será diferente ?  As gerações serão forjadas noutros moldes ?  Aprenderam noutros livros ?
O tempo tem outra dimensão, que não esta medida imensurável, capaz de transformar alguns poucos anos, num vórtice infinito ?!...

E é segunda-feira.
Uma igual a muitas ... a todas.
E a roda rodando.  E numa roda quando roda, todos os seus pontos sempre retomam as mesmas posições, depois  de  descreverem  a  mesma  circunferência,  sem  princípio  nem  fim ...
E a roda rodando ... cansando ... rodopiando tontamente sem escolha, numa engrenagem imparável ...
O hoje já é ontem ...  O ontem, já tem séculos !...  Já é segunda-feira de novo ...

"Força ... faça força !  Segure a minha mão, e faça força !"...

Anamar

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