domingo, 19 de abril de 2015

" SUFOCO "





Que falta me faz um ar ...
Que falta me fazem dez centímetros de terra, uma cancela, um caminho que nem precisava ser calcetado, um arbusto com anseios de árvore ... um quintalzinho de cinco por cinco ... um projecto de paraíso !
Que falta me faz, em desespero ... ao menos uma varanda que finja ser um jardim suspenso ... com parapeito onde eu pusesse as sardinheiras, com paredes, onde eu pudesse pendurar os amores-perfeitos ... com tecto, donde eu dependurasse os vasos de junquilhos, de narcisos, de jasmins ...
E uma casinha para passarinhos ... porque de certeza eles iam adorar a minha janela !
Ou então, faria olhinhos às andorinhas, para ver se tinha sorte, e elas, sentindo-me só, talvez me privilegiassem com a sua presença !...

Que falta me faz ir ali, colher uma braçada de alecrim, de giesta, de madressilva, umas pernadas de glicínia ... ou simplesmente apanhar uns cheiros, daquele caco velho, floreira inventada dos meus condimentos ...
Que falta me faz, agarrar um xaile, deitá-lo aos ombros, encarar a brisa, e percorrer os meus cinco por cinco, supondo-me latifundiária de um quintal de sonhos ...

Como eu precisava romper estas paredes, calcorrear estes telhados em voo rasante, passar para lá do além, julgar-me pássaro ... e ir ...
Como eu precisava que o sol me aquecesse a alma e o vento me enfunasse as velas ... e partir ..
Como eu queria tornar-me um grão da areia que o mar traz, o mar leva, rolando nos fundos, percorrendo os continentes ... descobrir os segredos dos búzios que são de todos os mares e de todas as praias ...
Ou ser alga esfarrapada dormindo na orla, largada pela babugem das ondas ... e sonhar ...
Como eu gostaria de ser a borboleta, que mesmo de noite encontra cama debaixo das estrelas, é livre nos caminhos ... e pode escolher ...
Ou, claro ... ser simplesmente a minha gaivota que ciranda por aqui e é dona de todos os céus ... e sorrir ...

Que falta me faz um ar ...
Que falta me faz, meter as mãos no enterroado do chão, deste chão que será berço de todos nós, um dia ...
Que falta me faz ter umas asas cá dentro, empoleirar-me no parapeito, e deixar-me ir, ao sabor da aragem, como se brincasse de  pára-pente.
E assim estaria no topo do mundo, e veria os rios, os lagos, as florestas invioláveis, os oceanos e as casas dos homens... tristes e cinzentas !
E assim,  esticaria os braços pelas madrugadas e apanharia bouquets de estrelas, antes de elas dormirem ...
E veria deitar a lua e amanhecer o sol ...
E seria bússola sem pontos cardeais ...rodando com os girassóis ...

E nunca mais me faltaria o ar, como agora !...

Anamar

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