domingo, 17 de maio de 2015

" A EXPONENCIAL DO SOFRIMENTO "



O grau de sofrimento do ser humano não é uma curva exponencial.

É verdade que no início das agressões responsáveis por esse sofrimento, se define exponencialmente, com um declive acentuado.
É a fase em que nos confrontamos com a causa detonadora, que normalmente nos apanha de sopetão.
É a fase em que primeiramente nos surpreendemos, depois nos incredulizamos, depois questionamos o porquê disso acontecer nas nossas vidas ... é a fase de nos sentirmos injustiçados e com raiva.
Iniciamos então um período de negação.  Revoltamo-nos, insurgimo-nos, esbracejamos ...
E a manutenção de um mínimo de equilíbrio, espalda-se num desgaste emocional intenso, que provoca inclusive, sequelas físicas.
É vulgar que as insónias, o choro fácil, o disparatar descontrolado com tudo e todos, contra o mundo em geral .,. nos dominem.
É vulgar que as náuseas, os vómitos e a falta de forças por cada dia que se inicia e que quereríamos não ter que iniciar, se instalem e nos astenizem.

Depois há em simultâneo, um misto de sentimentos e emoções abissalmente contraditórios e destrutivos, que nos tolhem, e que ainda assim, precisamos gerir.
Por um lado, a sensação de uma incapacidade de resposta pessoal face às situações, por outro lado, a sensação de impotência e revolta face à realidade, amarfanham-nos e destroem-nos.

Também, a capacidade de resiliência depende do indivíduo envolvido no processo.
Há quem a tenha elevada, treinada, interiorizada.
E isso varia totalmente de pessoa para pessoa, e tem a ver com inúmeros factores.  Desde logo, a idade, a energia, e a robustez física e mental.
Desde logo, a história de vida de cada um : aquilo que já experienciou, a que foi chamado a suportar, a que não teve alternativa senão suportar e responder.
O seu grau de abnegação, generosidade, disponibilidade interior e dádiva de si próprio, também são factores individuais, superáveis ou não.
Cada ser é uma entidade altamente complexa, fruto de uma ainda maior complexidade de vectores, pessoais, familiares, sociais, éticos, morais, contraditórios, muitas vezes incontroláveis e incomandáveis.

E cada dia que passa, a odisseia de se viver um pesadelo sem fim, a sensação de mera sobrevivência que experienciamos, em que a vida "marina" porque não tem outra alternativa, o medo ... ou melhor, o pavor vivido de perto e que nos confronta em permanência com a fragilidade dessa mesma vida, fazendo-nos balançar entre vida e morte anunciada ... dão-nos uma sensação de impossibilidade de avançarmos mais, atordoam-nos, imobilizam-nos psicologicamente, enquanto que ao mesmo tempo nos anestesiam por dentro.
Reagimos pouco, baixamos a capacidade de interveniência, e apenas somos capazes, talvez por defesa, de nos deixarmos ir, exangues, de uma forma inerte, como a folha arrastada pelo caudal da corrente.
Robotizamo-nos, automatizamo-nos, "viajamos" em piloto automático.  Não vivemos ... sobrevivemos !

É então que a curva exponencial do sofrimento humano, aparentemente estagna, e desenha um patamar de cansaço e inércia, no gráfico da vida.

Estou convicta que é isso que explica que  os sobreviventes deambulem atordoados, apáticos, quase distantes, pelo meio dos escombros de um sismo, sem que exprimam já emoções, como se também eles já não existissem ...

É isso que explica que nas maiores  catástrofes da humanidade, o que pareceria improvável, acontece ... as pessoas ultrapassam o limiar do sofrimento, e para além dele, o estado emocional estampa-lhes uma mornidão nos rostos e nos corações, um sonambulismo na alma, que não se percebe se serão de incompreensão, de incapacidade, de indiferença ou de amorfismo, desencadeados pelo choque a que foram sujeitos.

Eu penso que é uma forma talvez irracional, de preservação da espécie ...
Baixando os níveis do sofrimento a valores aceitáveis, o Homem vai afinal, suportando e aceitando situações limite.

E  tudo  isto  porque,  como  alguém  disse ... " a  Vida  é  uma  história  que  sempre  acaba  mal " !...

Anamar

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