sexta-feira, 8 de maio de 2015

" A PASSAGEM "




Quando for, esperemos que seja de mansinho.
Que seja no lusco-fusco da noite serena, quando os anjos baixam, e viajam no nosso jardim.
Quando os olhos estão cerrados e o coração passeia no roseiral, junto ao mar.  Por lá, andam os meninos com quem joguei ao agarra, com quem dividi a tabuada e apanhei borboletas.
E poderemos continuar a festa ...

Quando for, esperemos que a madrugada esteja cálida, as violetas perfumem o ar, e o sol ainda esfregue os olhos em silêncio, p'ra não perturbar o dealbar de um dia novo.
Quero que alguém me pegue na mão, e comigo atravesse aquela passagem em permeio das ramagens frondosas e frescas, escutando o som dos primeiros pássaros da manhã ... os sons da mata que nunca dorme ...
Os pardais entontecidos estarão a descer aos trigais, os abelharucos a saltar de galho em galho, e os gaios e os melros, a saudarem a Natureza-mãe ...

E será um passeio apetecível, porque é leve.
Os pesos  e as penas ficarão por aqui.  Até as memórias ficarão lá, no início da passagem, porque excedem a carga permitida para quem vai.

Quando for, quero um bando de querubins, de caracóis louros e olhos azuis, tocando uma sonata de Beethoven.  Quero os cheiros do meu chão, as cores do meu canto, e o sussurro da brisa mansa, p'ra cá e p'ra lá ... p'ra lá e p'ra cá ...

E quero que as ondas da maré baixa,  me cantem a canção dos búzios.  Quero perder o olhar nas asas largas das gaivotas espreguiçadas, e quero o sono verde das algas adormecidas ... para me lembrar que houve tempos de esperança ...

Quero o meu cabelo a voejar  em desalinho, solto das imperfeições do ser ...  o meu sorriso infantil a iluminar-me o rosto, e todas as letras que escrevi, empilhadas no maior poema de eternidade ...

Quando for ... espero que seja de mansinho, como a canção de ninar  no berço esquecido, para que eu adormeça sem sustos, sem lágrimas e sem dores ...

Quando for ... espero que seja um regresso ao primordial de mim mesma, ao gineceu que me formou ... ao útero da minha mãe !...

Anamar

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