domingo, 24 de maio de 2015

" A TRAGÉDIA HUMANA "




O drama do ser humano não é a morte.
O verdadeiro,  pungente,  e  patético  na  sua existência, é  como  chegar lá !

De facto, quando o corpo não é mais nosso, quando o esqueleto é um imprestável monte de ossos, que apenas nos pesa, não nos responde, desarticula-se e dói ... dói horrores ...
quando a mente se torna um fantasma, plana por cima e além de nós, descomandada, e teima em trazer-nos, deformadas, imagens relegadas a um passado muito longínquo, e o coração já só bate ...
... então, deveria ser a hora de partir.

Porque aquilo que nós fomos, não está mais por aqui.
E aquilo em que nos tornámos, é triste, feio, e decrépito.  E nós, não gostaríamos de nos ver assim !

As pessoas que  nos pertenceram, "fugiram-nos". Os locais que conhecíamos, "deixaram de existir".
A nossa realidade não comporta mais, as emoções, os afectos, as ligações que nos prendiam ao que foi a nossa vida, anos e anos, tempos e tempos.
Não há mais fôlego para isso.

O vegetal em que o ser humano se torna, neste contexto, é algo de uma violência, que boicota o entendimento, a compreensão , mais  ainda a aceitação ... sobretudo até, por parte de quem é obrigado a conviver, impotente,  com essa realidade atroz.
A "máquina" vai desligando, aos poucos.  Sente-se uma desistência instalada.  Uma desaposta, um quase desejo de corte.
Hoje deixa-se de interagir neste ou naquele campo, amanhã o simples gesto de abrir os olhos, de levantar uma mão, esticar uma perna, é de tal modo penoso e esgotante, que se procura a paz do silêncio e da quietude.
A estimulação exterior deixa de surtir efeito, e deixa-nos exaustos.  O desinteresse total por tudo o que nos preenchia a vida,  é crescente e agiganta-se.
A luz perturba, os sons incomodam, o  movimento, sinónimo de vida à nossa volta, perde sentido.
Os medos  povoam-nos cada momento.  O medo de ficar, mas também o de partir, degrada, aniquila, corrói, sufoca ... lança um pânico incontrolável.
As imagens distorcidas, lembram as figuras perturbadoras que os espelhos curvos  nos devolvem do real, como um caleidoscópio de fantasminhas diabólicos.

E o tempo passa.
Às vezes passa tempo de mais.  Não existe um comutador de on e off.
E quem assiste à degradação irremediável, injusta, irreversível e destruidora ... ( sobretudo os envolvidos de coração ),  à boa maneira do ser humano, egoisticamente, querem, tentam, insistem, no prolongamento, não da vida, porque já não o é ... mas do sofrimento.
E espicaça-se, e ministra-se, e puxa-se e volta-se ... e esfrega-se, e injecta-se ... e violenta-se ainda mais, um corpo esquálido, onde quase sempre só uma pele ressequida e semi-morta cobre os ossos, que espreitam ameaçadores, por todos os cantos ...
Até à exaustão ... numa manutenção artificiosa de um simulacro de gente.
Algo atentatório da dignidade individual.  Algo aviltante,  totalmente fictício ...

E nunca se deixa que a partida se faça docemente,  sem resistências,  naturalmente, talvez como alívio ... como direito ... como merecido !!!
E nunca se aceita a falência da batalha ... Simplesmente porque ficamos cegos, não queremos enxergar !

A tragédia humana é este sofrimento desestrurador, avassalador, prepotente ... É esta negação até às últimas e mais absurdas consequências, da lei subjacente a todos os seres vivos ( que nisso, como em muita outra coisa ), nos fazem reflectir :  chegar, cumprir  o destino ...partir em paz !...

Anamar

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