sábado, 30 de maio de 2015

" HOJE ESTOU ASSIM ..."




Dou por mim a ter saudades daquela casa.
E dou por mim a sentir um nó estrangulador no peito, quando penso o que foi feito daquela casa.

Quando era Maio e os verdes se mostravam intensos, quando as flores  bordejavam o caminho, alindavam o "altinho", ou revestiam as paredes, com as cores variadas das buganvílias, ou os lilases das glicínias ...
Quando os noveleiros, os agapantos, as azáleas, as sardinheiras, as cinerárias ou as gazânias ( eternas glorificadoras do sol ) abriam, de repente, numa explosão que parecia da noite para o dia ... era uma promessa que voltava a cumprir-se.  Ano após ano, sempre a festa da Natureza se renovava.

Aquela casa também tinha um jacarandá.
Plantei-o com muito carinho, com a expectativa de uma manhã qualquer, poder acordar e  ver-lhe os cachos lilases, em desalinho, como caracóis de menina  rabina,  a adornarem o meu jardim ...
Era novinho, precisava crescer, desenvolver-se, e depois lá viria o dia em que me presentearia ... eu tinha a certeza.
Foi das primeiras árvores a ser cortada ... soube depois.
Nunca o jacarandá floriu, como não floriu mais por ali, um só lampejo de felicidade.

Aquela casa tinha o "rosto" do Gaspar, a imagem do Óscar, a placidez da Rita ...
Não a penso, que os não veja por lá.
O Gaspar, que nos contemplava com uma orelha em cima e a outra em baixo, quando escutava atentamente as conversas que lhe eram dirigidas.  Não nos espantaria, ou melhor ... só nos espantava ele não recalcitrar de seguida ...
Fazia maratonas  em torno da piscina.  Ladrava irritado, empoleirado nas patas traseiras, aos gatos abelhudos que lhe invadiam os "seus" telhados ...

Quando o prendíamos, em hora de sesta soalheira, era a vez  do recreio do Óscar e da Rita.
Ronceiros, como todo o gato que se preza, o Óscar que sempre foi atrevido e provocador, exibia-se a distância segura, num despautério sem tamanho, enquanto a Rita, medrosa que só ela, se escapulia sesgada, na protecção insuspeita das hortenses ...

O Gaspar alucinava então,  reclamando da sua ausência de paz !
Aquele jardim era seu ... Os gatos, que flauteassem pelos telhados que cobriam todo o piso térreo !

E era o que eles faziam, madrugada fora, p'la hora da fresca. Sonhadores, silenciosos, sonolentos mesmo, divagavam, ronronando, atentos aos ruídos e aos movimentos do pinhal.
Sobretudo se a noite era iluminada por uma lua cheia, daquelas !...

Aquela casa também era a "cara" da minha mãe.  Aliás, por justiça, aquele jardim "pertencia-lhe".
Ela limpava, cortava, dispunha as podas que dariam novas plantas ... ela regava ... ela perdia horas infinitas olhando cada botão que abria, cada prenúncio de nova flor ... cada borboto promissor de mais uma alegria ...
Ela trazia para as jarras,  flores frescas,  ela "escutava" as que floresciam no pé ... ela ralhava-me quando eu preguiçava, e não me dispunha a ligar as mangueiras ... "Coitadinhas, estão cheias de sede. Agradecem uma pinguinha de água, com este calor !... "

O tempo foi .  Tempo demais que já foi ...

Dou por mim a ter saudades daquela casa !...
Dou por mim a ter saudades infinitas daquele jardim ... daquele jacarandá que nunca floriu ... dos meus companheiros de ociosidade ...
Todos já partiram !...  Perdas nunca supridas.  Desgostos de alma e coração, nunca sarados ...
Presentes sempre, contudo !

Felizmente a minha mãe já esqueceu as suas flores.
Seguramente morreram à míngua de uma "pinguinha de água", na inclemência do sol já forte que se abate, e na ausência de alma caridosa por perto ... de coração condoído...

Aquela casa agora é silêncio.
Não tem gargalhadas, não tem a voz do Gaspar ou o sussurro ronceiro e mavioso da Rita e do Óscar, sonolentos sobre as telhas quentes ...

E dou por  mim  a lembrar que é Maio ...  Maio sempre volta ... só Maio, sempre volta !!!...

Anamar

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