domingo, 14 de junho de 2015

" VÓMITO "





Aquilo que vou escrever é absolutamente chocante, controverso ... se calhar revoltante.
Sobretudo para quem o leia pela rama, se ligue à leitura superficial do texto, se prenda ao significado simplista das frases .

Não importa !
Como afirmo na apresentação deste blogue, escrevo-o fundamentalmente para mim, coerentemente com o meu pensar e sentir.
Imune  a  preocupações de censura, ou a opiniões dissonantes ( até porque as pessoas que a ele acedem, quase nunca, ou nunca, fazem comentários sobre o que lêem ... ).  Sequer ainda, a  juízos de valor.

Estou mergulhada num processo irremediavelmente destrutivo  e sem outro tipo de solução, alternativa, ou saída.
Costuma dizer-se que "o que não tem remédio, remediado está" !  É um pouco assim de facto, embora pelo menos, o direito aos sentimentos e às emoções, qualquer ser humano tenha.

Tenho a minha mãe, com 94 anos, semi-acamada, sem mobilidade, com demência progressiva, e com um coração que "preso por arames", parece aguentar tudo ...
Tenho à minha frente, todos os dias e /ou noites, um quadro terrífico de alucinação, de descompensação cerebral, de descomando do resto da racionalidade que aquela cabeça determina.
A minha mãe ... aquela que o foi, obviamente que há muito aqui não está.
E esta, a que raramente me conhece, mas sobre quem lança a raiva de por mim ser "controlada", é uma caricatura triste, é uma figura patética, é um esgar de ser humano ... é uma tristeza ... num "espectáculo" de vida, a que ninguém deveria ter obrigação de assistir.

A impotência que sinto, face à sua destruição como pessoa, a raiva que sinto contra uma degradação irreversível, a mágoa e a dor que me assolam face a um "apodrecimento" incontrolável, deixam-me em desespero, em ódio e em revolta,  vivem comigo de dia, e pernoitam comigo na almofada que não consegue conciliar-me o sono ...
Porque "viver", não é apenas acordar, respirar, e adormecer de novo.
Porque viver não deveria rimar com sofrimento, com dor ... com piedade e comiseração ... com solidão de alma ...

E digo para mim mesma : " eu não quero acabar assim ... eu não posso acabar assim !!!"
Nenhum ser humano deveria ... ninguém mereceria ... NÃO  É  JUSTO OU POSSÍVEL !!!

Que é feito da dignidade, que é feito da essência, que é feito da "vida", centelha da luz que distingue o Homem dos outros seres irracionais ?

Neste momento, dou por mim a olhar os velhos com quem me cruzo.  Olho-os, além de vê-los.
Não consigo olhá-los, que as lágrimas me não caiam.
A velhice é de facto feia, parda, cinzenta ... descolorida !
A velhice não comporta risos, esperança, futuro ... amanhãs ...
A  velhice  é  uma  partida  de  mau  gosto ... é  uma  piada  jocosa  de  humor  negro  e  desrespeitoso !
Os rostos pregueados, romanticamente conotados com "histórias de vida" ... podem, na verdade, não ser motivo de orgulho ... mas tão somente, sinais de uma inevitabilidade desesperada, que tem que se carregar.
Os velhos olham perdidamente o vazio, porque não descortinam nada mais para ver. Param os olhos, muito para além do que os rodeia.  Escarafuncham na vida, quando era vida e não morte !
O olhar opacizado vagueia ... entre o passado e um não-futuro ...
Fogem do sol, e buscam a penumbra ... porque estão a recolher-se ao útero telúrico donde saíram .
Procuram o silêncio, porque o "ruído" com que a vida se veste, é excessivo e descontextualizado do estadio que habitam.
A velhice "fede". Tristemente "fede" ...
É um grito amordaçado em gargantas que já não ousam fazer-se ouvir.
É um cansaço arrastado, que se quer parar, e não é possível.  É um pedido lancinante de arrego, é uma ânsia do colo que não se alcança mais ... é o estertor de quem sufoca no coração e na mente, quando a crueldade de alguns momentos de lucidez lhes devolve a "imagem"...

É duro ler isto ... é duro ouvir isto ... é duro escrever isto ...
Sobretudo quando convivemos impotentemente com esta realidade, exactamente  num "romance" sem fim à vista, um romance que não podemos rescrever, aligeirar, modificar ... que sabemos sem fiabilidade, sem futuro, sem esperança ... sem "happy end" possível !!!...

É isto, o destino ?
É esta "tragédia", o corolário da vida do Homem ?  É isto, o que lhe é concedido ?  É isto, tudo a que tem direito na saga que calcorreou, arrastando seguramente correntes e grilhetas, num percurso esforçado, cansado ... penitente ?

A minha garganta sufoca um grito tão grande, que ultrapassa o além !
A minha garganta queima, com o vómito de fogo que me sobe das entranhas, me entorpece a mente e me cega os olhos ...
O meu coração não se compadece desta realidade crua e dura ... Não consigo !!!


Estarei a ficar louca ???!!!...

Anamar

Sem comentários: