quarta-feira, 2 de maio de 2018

" ENQUANTO O TEMPO PASSA ... "




Enquanto o tempo passa !...

Acordei cedo, o que não é normal em mim e fiquei no quente do édredon a olhar o tecto do quarto.
Percebia o cinzento lá fora, pois já me acostumei a adivinhar a cara do dia, pela claridade que me entra da janela que sempre fica aberta.
O tecto do quarto não tem nada de especial, juro, mas tornou-se inesperadamente no écran gigante por onde se foi desenrolando uma película fantástica : a história da minha vida ao longo do ano que mediou entre 2 de Maio de 2017 e este 2 de Maio que me amanheceu.
Um ano exacto da minha história, repleto de tantos acontecimentos que o tornaram transbordante ...

E porquê hoje ?  E porquê esta referência particular ?

Faz exactamente um ano que completei a última das três tarefas "exigíveis" ao ser humano antes de partir : tendo já plantado uma árvore, tendo já feito um filho, publiquei neste dia, um livro de poesia, sonho enorme que supunha irrealizável, e  me acompanhara desde menina.
Mas muito para além disso, e mais gratificante que isso, se o posso afirmar, foi a felicidade de, por esse motivo, ter reunido à minha volta os meus familiares próximos, os meus amigos, os expectáveis e os improváveis, os de perto e os de longe e ainda ter reencontrado, com uma alegria ímpar, amigas que deixara mais de cinquenta anos atrás, lá longe, no meu Alentejo, e que quiseram estar presentes, tornando o meu dia num misto único de sentimentos, numa perfeição total de estados de alma, numa completude sem igual, e que eu sei lá se merecia ?!...
Foi um dia imenso, que jamais terminará dentro de mim.  Um dia em que a festa foi linda, em que os risos e as lágrimas se misturaram.  Um dia em que as emoções me sufocavam e em que eu fui de facto, feliz !

Mas se este evento foi o expoente máximo  do júbilo, da alegria, da realização pessoal,  terei que assinalar como seu inverso, um dos dias mais tristes, sombrios e gélidos da minha existência : o passado próximo dia 11 de Abril, dia em que a minha mãe me deixou.  Esse dia, em que a orfandade absoluta me tomou, em que a escuridão uma outra vez desceu à minha vida, em que muita coisa deixou de fazer sentido, pintou de negro a minha alma e o meu coração, duma forma irremediável !
Obviamente estou a tentar reunir os cacos, a consertar os farrapos, porque o tempo faz-se todos os dias e a vida tem de continuar o seu trilho.

Olhando, pensando, lembrando, reflectindo exactamente sobre o meu percurso, neste deixar voar o pensamento, percebi ainda tantos altos e baixos, tantos escolhos e baixios em que tropecei nesta escorrência temporal.  Perdas doídas e sangrantes, com cicatrizes fundas cravadas indelevelmente no coração.  Voltas e reviravoltas inesperadas e injustas com que o destino nos experimenta e põe à prova, sem complacência ou piedade. Mágoas que se eternizam e parecem vir p'ra ficar. Incompreensões e incapacidades. Portas que se fecham e janelas que não se abrem.  Tempestades sem bonança, quando a exaustão nos joga ao chão ... Enfim ... talvez, simplesmente, vida !

Ganhos também, seguramente.  Nesgas de azul no meio da negritude.  Lufadas de ar, na sufocação da desistência.  Anjos que descem para nos afofar o travesseiro, ou nos aparar na queda iminente.  Braços que acolhem, amparam e embalam.
Sempre os afectos a atapetarem-nos o caminho . Sempre os bem-quereres a mostrarem-nos que talvez valha a pena acordar por cada dia, levantar e encarar o amanhã ... porque teremos por perto as escoras, as âncoras  e amarras  no molhe da nossa vida, mesmo quando o mar se agiganta e as marés alterosas parecem engolir-nos o horizonte !

Depois, lembrei outro dia  de uma alegria sem tamanho, de uma felicidade sem dimensão : o dia 15 de Junho, dia que a Teresa escolheu p'ra chegar a este mundo.
O meu quarto neto, a menina linda que ela é, veio mostrar-me que as nossas existências são afinal de perdas e ganhos, de partidas e chegadas, de dores e felicidade, neste caminhar adiante, sempre adiante... e que depois de nós ficarão os que transportam pedaços de nós em si, à revelia de vontades ou desejos.
Acredito que a Teresa tenha sido uma bênção que desceu à minha vida também, uma luz acesa no ocaso que me aguarda, tenha sido a acalmia que urgia, nos vendavais do destino, e que seja mais uma razão para que eu continue a alimentar a esperança e a confiança no amanhã ... apesar deste tempo implacavelmente célere que ainda nos surpreende, como onda gigante  que varre as nossas vidas !...

Anamar

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