sexta-feira, 25 de maio de 2018

" O TEMPO NÃO AJUDA ... "




O tempo está enfarruscado.  Como eu estou também ... no coração.
Há um desconforto latente e sentido, dentro de mim.

Acordei a sentir-me mais órfã do que nunca.  As saudades da minha mãe, daquela minha mãe, tomaram-me ... Não a de agora, a que relembro nas fotos e vídeos que foram sendo feitos nos últimos anos, como se com eles eu pudesse mantê-la um pouco viva junto de mim.  Como se sequer eles precisassem existir para que isso acontecesse ...
Da outra ... da que foi minha mãe toda a vida e a que em dias como hoje, me aninhava, me amparava e animava ...
Do meu pai também, embora vinte e seis anos já tenham transcorrido.  Dele, não tenho vídeos e as fotos teimam em esbater-se na poeira dos tempos que passam ...
Tenho-o à cabeceira da cama, numa foto a sépia .  Tinha então vinte anos, e aquele também não é bem o meu pai ...

Hoje acordei nostálgica, saudosa, profundamente entristecida.  E desamparada também.  A sentir que as escoras que me suportam estão frágeis.  As âncoras que me agarram, deixam baloiçar demais o meu barco, precariamente amarrado ao cais.

Procuro ir fechando portas, arrumando a vida, queimando as etapas que se prendem a toda a panóplia de coisas que há que resolver, e sempre ficam pendentes, quando o ser humano parte.
É espantoso o número de questões práticas que urgem ser tratadas, para tentar repor  um outro e novo equilíbrio nas nossas vidas ... na vida dos que por cá ainda ficam ...
Procuro por isso virar páginas, porque talvez depois, consiga uma maior paz ... um reequilíbrio, um reencontro com a interioridade da minha dor.   Talvez consiga centrar-me um pouco melhor na vida, prestando-lhe uma maior bonomia e aceitação .

Tudo ainda está estranho.  Irreal.
Prefiro pensá-la cuidando das sardinheiras, na casa dos passarinhos .  Prefiro "vê-la" arrastando as mangueiras pela relva, nos fins de tarde solarengos, para regar tudo quanto por lá estava.  E a maravilhar-se com cada nova flor desabrochada, com cada rebento verde que eclodira e garantia o milagre da Natureza.
Prefiro escutá-la a chamar o seu Gaspar, para que saísse do sol ... como se cachorro lá se importasse com sol !
Prefiro sabê-la a varrer toda a tijoleira, a calçada exterior mesmo, frente à casa, num afã alentejano de limpeza, manhã cedo, por cada dia ... todos os dias ...
Na casa onde, há cerca de um ano, quando a cabeça ainda a não atraiçoara de vez, me confidenciava : " nesta casa eu fui muito feliz ! "...

Quando perdemos um dos nossos progenitores, metade de nós parte também.  Quando o outro nos deixa, a orfandade é total, a desprotecção é completa, o buraco deixado no peito invalida-nos a vontade de viver.  E fica muito difícil continuar o trilho, ainda que essa seja a lei da vida.
A consciencialização de que tomámos lugar na "calha", fica clara aos nossos olhos.  E de repente, parece termos envelhecido irreversivelmente.
Dizem que a dor se abate à medida que a terra baixa.  É uma metáfora que nos simboliza a força do tempo na distanciação às coisas.
Desejaria que assim seja, e que ele tenha clemência e nos favoreça com essa graça.
Até lá, vou continuando por aqui ...

Anamar

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