terça-feira, 29 de maio de 2018

" VINAGRE E AZEITE "



Tive duas filhas, distanciadas de quatro anos e meio.
Tão diferentes nas formas de ser, quanto o são fisicamente.
Uma é branca, de cabelo claro raiando o loiro, olhos verdes... pele de porcelana.
A outra, morena claro, cabelo escuro, grandes e expressivos olhos castanho amendoado ...
Ambas bonitas. Sou suspeita a dizê-lo, mas tenho olhos e isenção ao concluí-lo.  E já o foram mais, muito mais.
A vida também nelas vai deixando os sinais, inevitavelmente, implacavelmente. Ambas, já nos "entas" ... o tempo não perdoa !

Nunca se entenderam, nem em miúdas, quando as cumplicidades e as conivências contra o "jugo" paterno, determina alianças entre os adolescentes.  Eu costumava dizer, com o devido exagero, que se "odiavam"...
Uma era o cúmulo da desarrumação. A outra tinha brios de método. Quando a primeira já tinha esgotada a roupa limpa disponível e abandonada toda enrodilhada na cadeira do quarto ... recorria, sem permissão, à roupa da irmã, que obviamente a tinha, nas melhores condições de ser vestida ...
Resultado ... discussões épicas, gritarias, cabelos puxados, vergonhosos palavrões e dislates pela boca fora...
Cheguei a ter vizinhos a baterem no tecto, em reclamação do barulho ...
E  já matulonas, com idades para terem juízo ...

Os ciúmes que nunca deixaram de as minar e que perduram até hoje, mães de filhos que já são, sem idade para esses despautérios, agudizaram ao longo das vidas, o distanciamento entre elas, a animosidade, o afastamento, a suspeita sempre presente, do prejuízo de uma em benefício da outra ( por maior cuidado que, conhecendo a situação, eu  sempre tivesse tido nas decisões, nas partilhas,  feitas com uma doentia  preocupação de justeza e equidade ) ...  Os ciúmes, dizia, foram-nas separando na vida. Indiferentizaram-se mesmo.
Nunca tiveram linguagens comuns, valores próximos, interesses idênticos.  Sempre cada uma remou o bote, em caminhos de divergência e nunca de aproximação.
Não rejubilam com as alegrias uma da outra, não falam a mesma língua, não dividem dificuldades.  Não têm as cumplicidades típicas dos irmãos.  Não parecem ter nas veias o mesmo sangue a correr ...
E sobretudo não têm tolerância, capacidade de relativização e perdão.

Personalidades e maneiras de ser difíceis, muito difíceis, cada uma ao seu modo, inviabilizam  um futuro mais auspicioso...  Já não faço nenhuma fé em alterações positivas.
Têm bons fundos, cada uma de "per si". Norteiam-se por valores fundamentais. Guardam dentro de si o que nós, os pais, lhes transmitimos.  Guardam e respeitam .
São boas mães, excelentes e reconhecidas profissionais, ambas ocupando lugares de muita responsabilidade e exigência.
São generosas, como podem, para com quem delas precisa. São solidárias e prestativas.
O problema é entre elas ... sempre e só entre elas.

Recentemente, nos últimos anos, factores exógenos à relação precipitaram uma ruptura total.  Nenhuma cede, e se uma faz uma tentativa de zerar  as mágoas instaladas, a outra, não só não corresponde, dando  um  só  passo  que  fosse  nesse sentido, como  não se disponibiliza  de  coração, para  que isso seja  possível.    E as posições continuam extremadas !
Como tal, como duas "mulas empacadas", ninguém tem a magnanimidade de se transcender, e arrastam as vidas de costas voltadas.

Eu, arrasto a minha com um desgosto profundo que me acompanha e acompanhará ao além ...
A avó que recentemente nos deixou, levou consigo também essa mágoa.  E muitas vezes lhes pediu que se ultrapassassem, para ultrapassarem este estado de coisas.  Em vão !
Só restamos as três, nesta família ínfima que é a minha.  Um dia, restarão as duas irmãs perdidas nesse mundo de Deus ...

É algo muito doloroso que me atormenta.  É um castigo que sofro e não sei porquê !
Vinagre e azeite, dois seres saídos de mim, e que a  vida teima em continuar a separar !

Anamar

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