quarta-feira, 13 de março de 2019

" PORQUE A GENTE VAI EMBORA ... "




O céu está a esmorecer quase vermelho, iluminado e brilhante, como se por detrás da limpidez que o pincela, houvesse uma fogueira acesa em contra-luz.
Mais um dia que chega ao fim, nesta maratona que pressinto como que descomandada.  Os dias mal amanhecem já se deitam.  As semanas, mal começam já terminam, e dos meses, que dizer, se Março vai a meio e ainda ontem ... mesmo ontem, foi Natal ?!

É nítida a vertigem do tempo.  Todos falamos disso.  As pessoas sentem isso.

E com a corrida dos dias, os dias levam-nos os dias que ainda nos serão devidos ...
E porque depois da idade jovem, da idade madura, inevitavelmente nos chega a derradeira, aquela que procuramos ignorar, que fazemos de tudo para disfarçar e que recusamos encarar de frente ... eu vivo um pouco perdida e assustada.
Consciencializo ser uma idiotia esta atitude.  Mais consciencializo que desqualifico com isso, gratuitamente o tempo que vivo, assombrada por algo inevitável e irreversível, como o transcurso da vida, que sei claramente não poder jamais alterar ou desviar a contento.  E isso não é de modo algum uma atitude sensata e inteligente.
Mas, sinto-me um animal acuado, sem capacidade de reacção.  E angustio-me.

À minha volta, gosto de observar.  E o que vejo ?  Vejo desgraças e mais desgraças.  Vejo vidas complicadas e mesmo destroçadas, pelos mais variados problemas, de subsistência a saúde, que são de longe os mais irresolúveis e destrutivos.
É certo, que naturalmente convivo preferencialmente com pessoas da minha faixa etária, e depois dos sessenta, a vida é pródiga em nos dar algumas "ajudinhas".  Mesmo detentores de boa saúde e fisicamente capacitados, vamos claramente sentindo algumas limitações com que convivemos mal.
Eu, convivo mal.
Assusta-me particularmente a redução das capacidades que nos garantem a autonomia tão preciosa.  As restrições físicas, mormente as motoras, garante de uma vida com qualidade, assustam-me.  Convivi tempo demais com a degradação progressiva e desesperante da minha mãe.  Ela, que foi desde sempre uma fortaleza a todos os níveis, que foi uma pessoa que diariamente se transcendia, podendo, sem poder ... ficou inevitavelmente transformada num farrapo humano, física e mentalmente também.  Tudo num curto espaço de tempo de talvez uns quatro anos, no máximo.

Não será propriamente o partir, que me assusta.  Mas sim, o caminho a fazer até lá e a incógnita de que ele se reveste.
Estou convicta que a minha, foi a última geração que tratou de perto, os nossos idosos.
Hoje, os nossos filhos detêm vidas muito complicadas, ou mais complicadas do que há alguns anos atrás nós detínhamos.  As células sociais e familiares desumanizaram-se e desestruturaram-se, de certa forma.  A vida corre à velocidade da luz, a competição e as disputas laborais e sociais são ferozes.  Não há lugar nem vagar para os velhos, e para os que para lá caminham.
A sociedade é precária nas respostas.  Não as tem e as que disponibiliza, tendo qualidade e dignidade, não estão ao alcance das nossas bolsas.  E por isso, o "amanhã", é um fantasma inevitável e incontornável, nas nossas angústias e preocupações.
Ainda que queiramos aligeirar os pensamentos mais escurecidos, ainda que queiramos fazer de conta que isso terá tempo, que sofrer de véspera é dispensável e imbecil, e de nada adianta ... é mesmo isso ... apenas um "fazer de conta".  E esconder a cabeça na areia não resolve, já que não tenho de todo, perfil de avestruz !!!

Claro que estas dúvidas e angústias existenciais, serão transversais a toda uma sociedade que se inclua neste formato ... tenho a certeza.
E não obstante saiba que o melhor mesmo, será viver um "carpe diem" o mais gratificante possível, já que distingo o horizonte próximo sem ilusões excessivas e com a inevitabilidade real ... e porque, por natureza sou mais do "copo meio vazio" ... custo a alcançar esse desiderato de positividade, fé e ainda alguma esperança, mentalizando-me e enxergando o dia a dia com o positivismo aconselhável e útil.

E pronto ... não me alongo mais nesta reflexão que, acredito, seja comum a muita gente igual a mim ... mesmo aqueles que o não confessam e gostam de exibir uma postura despreocupada, de quem tem mais o que fazer do que pensar em tonterias ou idiotices.
E talvez estejam certos ...  Como eu gostaria de ser pragmática assim !...

Anamar

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