quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

" SINGING IN THE RAIN "




Há meio loucos e loucos por inteiro ... os "loucos de pedra", como dizem os nossos irmãos lá do outro lado do Atlântico.
Eu considero-me integrando o primeiro grupo, embora ainda assim ele tenha algumas gradações.  
Se não, vejamos ... 
Amanheceu um dia "daqueles" ... sem ponta por onde se lhe pegasse.  Céu tenebrosamente escuro sem esperança de redenção, chuva sistemática, ininterrupta, intensa.  Nada de molha-parvos. Nada que deixasse esperança de abertas ... nem mesmo ao meio dia, em que a minha afiançava que sempre, "ou carrega ou alivia" !...
Era uma chuva insuspeita, carregando consigo banho garantido.

Não era teoricamente dia de caminhada, dizia o meu agendamento que gosto de seguir sem desvios.  Assim sendo, estaria safa, e bem me agradaria olhar além da vidraça, o dilúvio impiedoso lá fora.
Mas amanhã, excepcionalmente não teria disponibilidade para a fazer ...
Vou ... não vou ... aventuro-me ... e se me constipo?... Se vou, isto vai dar bota ... se não vou, vou ficar a remoer-me por não ter mesmo força de vontade e espírito de sacrifício ...
Janelas da frente, janelas de trás ( lá, de onde as tempestades sempre chegam ), de nenhum ângulo havia um resquiciozinho de esperança de que talvez não fosse tão grave assim ...

E como nestes impasses, eu só funciono se me fizer de morta, e agir automaticamente sem pensar muito, equipei-me "enceboladamente" o melhor que pude, coloquei a mochila nas costas ... e irreconhecivelmente, garanto-vos, fiz-me à pista, que é como quem diz, desci pressurosa e denodadamente para a rua, antes que ...

"Maluca" seria o mínimo que poderiam chamar-me ...
Quem estava à chuva nas filas do Centro de Saúde lá terá pensado : " estamos aqui sem remédio ... e esta doida varrida, vai caminhar à chuva !  Há malucos pra tudo !"...

Bom, mas segui semi-clandestina, porque nos trajes em que ia, boné, panamá impermeável e carapuço do blusão que só me deixavam parte do rosto de fora, óculos escuros ( que não para o sol  😁😁 que não existia ), mas para ver o chão enlameado e escorregadio, não culminasse  tudo  com  um  espalhanço  sem  tom  nem  jeito ) ... apostaria  ninguém  me  conhecer !
É um pouco parecido com a nossa indumentária de protecção pessoal, em que é um verdadeiro desafio que nos conheçamos pelo único pedacinho que a máscara nos deixa livre ... os olhos !...
É uma sensação estranha, a que já nos habituámos e que é um exercício quase lúdico ... "olha, olha ... és tu !... " e sorrimos.  Mas o sorriso também não se vê, fica escondido na máscara ...

E lá fui.  Andei, andei, a chuva cobria-me as lentes dos óculos, que sem limpa para-brisas ficavam inoperacionais a cada dez minutos.  Sim , porque a água que caía, não se compadecia mesmo.
Não pude ir pela mata. Com desgosto meu, esta está interdita à circulação, tal a lama e as poças de água que lá se acumulam.
Assim sendo, o meu fadário no Inverno é um caminho alternativo que não aprecio grandemente, mas que apesar de tudo, apanha um pouco de verde, árvores também, relva e bancos ... já que se trata de um jardim amplo e com a vantagem de, sendo feito pelo Homem, ter caminhos asfaltados e empedrados.
Tem mesmo uma zona mais densa e fechada pela arborização, escura e cerrada hoje, com a falta de luminosidade do dia. Fresca e frondosa no Verão !
Não encontrei vivalma !  Não se via uma alma penada que fizesse exercício, que passeasse ou que tivesse levado o cachorro às suas precisões.  Ninguém !...

E aí, sim, como dizia no início deste meu texto : se eu estou no grupo dos semi-loucos, há os tais loucos de pedra que sempre animam os nossos dias ...

Então não é que nesse trecho escuro e escuso, quase mata com ramagens densas e entrelaçadas, com um lusco-fusco instalado apesar de ser meio-dia ... num dos bancos que serão uma bênção e uma maravilha em pleno Verão, uma criatura, com um chapéu de chuva vermelho aberto, auscultadores nos ouvidos, uma garrafa de água ao lado e a perna placidamente cruzada, trauteava a meio tom qualquer coisa imperdível no seu devaneio ... enquanto parecia usufruir de um descanso merecido ?!...
Não tinha pressa, não aparentava stress, não mostrava enfado ou desconforto ... dir-se-ia estar a vivenciar uma excelente e apetecível tarde primaveril !...

Digo-vos ... primeiro devo ter feito cara de parva, depois devo ter deixado fugir entre dentes o epíteto "é doida!" a meia voz ... por fim, cavei dali, porque  o  manicómio  ainda  fica  um  pouco  longe  e  os bombeiros  têm  mais  o  que  fazer  do  que  catar  doidos  com  colete  de  forças !!!... 😁😁😁

E pronto ... como respeito o livre arbítrio pensei ... afinal, "viver não é esperar a tempestade passar ... viver é aprender a dançar na chuva !..."
Sábia, aquela mulher !!!...

Anamar

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