segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

" BALANÇO "





Ontem foi o último domingo do ano.  
Esgotam-se os derradeiros dias de um ano que todos, mas todos, querem  absolutamente 
esquecer. 
Mas ironicamente, contudo, é o ano que jamais será esquecido nas nossas vidas, apesar de no seu saldo, ele não contar, ele surgir como uma entidade irreal, estranha, invisível ... não vivida !  É um ano de perda, um ano de desperdício, uma fraude injusta nas nossas existências !
Eu dificilmente consigo descrever o que sinto dentro de mim, neste deve e haver das contas que o tempo tem comigo.  Sinto-me ludibriada, enganada, espoliada ... porque se um ano na vida de qualquer mortal, é seguramente uma fatia jamais desprezável, na minha faixa etária, esse mesmo ano, tem um factor de ponderação substancialmente mais elevado ... Afinal, a estrada a percorrer, é uma gota de água do caudal que por nós já passou. 
E nestas contas, nem sequer é necessário fazer futurologia.  É assim !  Todos o sabemos !!!

Entretanto ontem começou também, a vacinação nacional contra a Covid 19 !  
É por isso, para Portugal ( porque o timing desta abordagem difere de país para país ), um dia absolutamente histórico, mais um a fazer história, em todo o calendário da pandemia !
Abrem-se as expectativas ( pesem embora todas as ressalvas a propósito ) de que estejamos a passos próximos de vencermos o flagelo que há quase um ano se abateu sobre o planeta Terra, de que possamos poupar desta forma e com esta protecção, muitas e muitas vidas ainda, de que a normalidade das nossas existências, ainda que gradualmente, possa  vir  a  retomar-se,  para  reganharmos  o  direito à  paz,  à  esperança e a um  novo  amanhã !

Tudo o que se vive é estranho, é incerto, é precário, e o sentimento que melhor está definido dentro de mim, é de insegurança.
Insegurança no dia a dia a todos os níveis, sanitário, económico, familiar ... como se um nó, dentro do meu peito, que me oprime e tira o ar, nunca mais se desatasse.  Susto, não por mim, que levo uma vida quase de eremita ... mas uma imensa preocupação em relação ás minhas filhas e netos, e uma angústia mesmo, em relação a familiares distantes que não voltei a ver, cujas visitas por razões prudenciais deixaram de ser consideradas, sequer ... 
Preocupação em relação a amigos e conhecidos que constituíam o nosso núcleo de convivência, e dos quais deixámos de ter notícias, porque vermo-nos deixou de ser questionável, já que as rotinas desapareceram e as coincidências de horários, eventualmente nas compras que fazemos, são perfeitamente aleatórias, improváveis, e mero fruto de um acaso mais feliz, simplesmente !
Assim, ilhámo-nos totalmente, e nos centros urbanos, que já em situação normal isolam e afastam as pessoas - lugar de muros e não de pontes - onde ninguém sabe de ninguém, onde os afectos ficam além das portas fechadas, onde cada um se entrincheira na tentativa de minorar os riscos pessoais de contágio ... o que cada um vive dentro de si, é dramático e angustiante.
Não há vida social, ou esta restringe-se aos contactos inevitáveis. As tecnologias "desdobram-se" para mitigar essa lacuna, como se houvesse mensagens, ainda que visuais, chamadas telefónicas, tele-chamadas ou breves "assomos" a distâncias nunca inferiores a dois metros, que conseguissem envolver-nos a alma ou embrulhar-nos o coração com a doçura, o amor e a alegria com que a ausência de um afago, de um beijo, de um toque, há meses e meses e meses ... os orfanou !...

E mais um ano chega ao fim !
A solidão pesa-me, largada numa ilha de dúvidas e incertezas, de perguntas a que ninguém responde, de sonhos liofilizados na espera de um horizonte palpável que os reabilitasse, na busca de um refúgio seguro, de uma escora sólida, de um molhe protector de tempestades de maior devastação ...
O cansaço é o sentimento mais real que me descortino.  O cansaço e a descrença nos tempos vindouros. A descrença na minha real capacidade de reunir forças para continuar a remar neste alto mar sem ventos a favor.  Dúvidas sobre a minha sanidade não só física mas sobretudo mental, que como um pano esfiapado já não costura os buracos que vai abrindo ...

Tanto se aprendeu no espaço de um ano !  E tanto se aprendeu, porque muito se viveu, muito se sofreu ... e é no sofrimento, afinal, que o ser humano sempre cresce ...
Que o calendário dobre a página com bonomia, com compaixão, com temperança ...  
Que volte a plantar p'ra florescer ... e não seque, p'ra estiolar ...
Que não nos roube o chão p'ra pousarmos os pés, e não empurre para longe os retalhos de azul que tentam espreitar no nosso céu ...
Que não nos leve as aves, e elas possam alegrar os nossos ouvidos despertos ...
Que não endureça os nossos corações e neles possamos continuar a cultivar a esperança, o carinho e o amor ...
Em suma, que o novo ano que está mesmo aí a chegar, nos traga de volta a Vida, e leve p'ra bem longe a Morte que 2020 não se cansou de semear !!!

Anamar

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