domingo, 18 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DAS FLORES

 

                                                                            CUBRES

Para mim, as Flores é a coqueluche das ilhas açoreanas.  Se tivesse que eleger uma de todas as que conheço e são quase todas, como a mais completa, a mais fascinante, a mais próxima de um paraíso na Terra, as Flores ocuparia seguramente o pódium !

É a segunda ilha integrante do Grupo Ocidental do arquipélago, e fica, como já referi, a sul do Corvo.
É também em longitude a mais próxima da América ( geologicamente pertence mesmo à Placa Norte-Americana ).
Dela faz parte o ponto mais ocidental de Portugal e da Europa, o Ilhéu do Monchique, uma pequena formação rochosa perdida no Atlântico frente à Ilha, podendo observar-se do seu extremo ocidental, na zona da Fajã Grande.

Morfologicamente as Flores caracteriza-se por ser uma ilha de uma diversidade fantástica, exibindo uma natureza exuberante em estado puro.
Desde as ravinas abruptas talhadas na rocha basáltica que a constitui, desde as gigantescas falésias esculpidas pelas mãos do tempo, as formações geológicas surpreendentes, as lagoas mansas amodorradas no alto da montanha ... o som mágico das cascatas, que saltando das encostas mergulham em direcção ao mar ... passando pela magnificente beleza de uma vegetação luxuriante que cobre toda a ilha ... ainda, e finalmente presentes por todo o lado, as flores, sempre as flores, elas próprias que acabaram dando o nome à Ilha ... de tudo, este pedaço de paraíso é rico !...

Ocupa uma área de cerca de 142 quilómetros quadrados, na sua maior parte constituída por terreno montanhoso.
O ponto mais elevado é o Morro Alto com mais de novecentos metros de altitude.
Santa Cruz das Flores e Lages das Flores são administrativamente os dois concelhos da Ilha.  O seu achamento remonta ao século XV.   Sendo inicialmente a sua toponímia de São Tomás, acabou por assumir pouco depois a sua actual designação, devido à abundância de flores de cor amarela, os "cubres" que recobriam toda a costa, e não sendo uma espécie endémica, supõe-se terem as suas sementes sido trazidas por aves migratórias, desde a Flórida, na América do Norte.
Os cubres existem profusamente dispersas por toda a Ilha, junto dos caminhos e dos muros de pedra, e juntamente com as hortênsias azuis fazem sebes e paliçadas.

No topo do Morro Alto observa-se uma imponente formação geológica por escorrência particular da lava vucânica - o Pico da Sé.
O clima  a essa altitude, atlântico húmido, é um modelador ecológico, originando zona de nevoeiros com ventos fortes e elevada pluviometria, factores determinantes da vegetação distinta aí existente.  
Do miradouro lá localizado, pode observar-se exactamente toda a vegetação endémica, constituída predominantemente por floresta de Laurissilva ( característica da Macaronésia ), sendo por isso considerada zona de paisagem protegida.
Aliás, a Ilha das Flores faz parte desde 2009, à semelhança do Corvo como referi, e da Graciosa de que falarei, da Rede Mundial de Reservas da Biosfera da UNESCO.

Se São Miguel é a ilha da Lagoa das Sete Cidades, as Flores é a ilha das sete lagoas ...
É no périplo feito por todas elas, que se percebe claramente como as mudanças bruscas do tempo são rápidas e desafiadoras.
Em segundos pode ver-se, deixar de se ver, voltar a ver-se ... e assim por diante !
As lagoas da Lomba, a Negra ( devido à cor das águas onde em certas zonas chega a ter uma profundidade de mais de 100 metros ), a Branca, a Comprida, a Rasa, a Funda e a Seca ( que parece enganadoramente não ter água ), têm características próprias e distintas, e é um deslumbre olhá-las ainda que de longe, e um fascínio e um privilégio usufruir de tanta beleza !

Continuando o percurso, esperava-nos a Rocha dos Bordões, ex-libris da Ilha, uma curiosa formação geomorfológica resultante da solidificação do basalto da lava vulcânica em altas estrias verticais.
Surpreendente e esmagadora, impõe-se pela imponência quando assoma no meio da paisagem !
Na vertente ocidental da Ilha, de menor altitude que no lado oriental, ficam a Fajãzinha e a Fajã Grande, entre outras, numa ampla orla costeira constituída exactamente por fajãs.  Avistam-se aí inúmeras linhas de água, cascatas que se desprendem do alto das escarpas, formando poços no sopé.
A Cascata do Poço do Bacalhau é particularmente bela !
É também defronte da Fajã Grande que se oberva, como já referi, o Ilhéu do Monchique, um marco histórico  de  localização ... o  ponto  mais  ocidental  das  Flores,  de  Portugal  e  da  Europa !!!
Também o Farol da Ponta do Albernaz ( geometricamente, o vértice superior esquerdo da Ilha, considerando que ela se desenha de norte para sul como um rectângulo com maior comprimento que largura ), mereceu a nossa admiração.  
É um lugar silencioso e de solidão como o são todos os faróis, situado no alto de uma ravina no meio do céu e do mar que marulha aos seus pés, e onde apenas o sopro do vento desgovernado, o balido das vacas nos pastos quadriculados por muros de pedra, ou o grasnido de alguma ave marinha, se escutam ...
No município de Sta.Cruz, o Monte das Cruzes que se prende à permanência dos franciscanos na Ilha, e o Pico dos Sete Pés, que com a luz a favor nos mostra uma figura humana deitada no topo da montanha, encerram histórias de encantar !
E não alongo mais este meu escrito, pois sempre o mesmo ficará totalmente aquém de tudo aquilo que eu gostaria de poder contar.  
Até uma próxima visita, fiquemos com este maravilhoso cheirinho a flores e este desafio que aqui deixo para que venham conhecer este cantinho  fascinante, puro e autêntico que é mais um pedacinho de um paraíso que por vezes julgamos já não existir à superfície da Terra !!!



                                                                 PISCINAS  NATURAIS
                                                                   PICO  DAS  CRUZES
                                                                    LAGOA  COMPRIDA
                                                                      LAGOA  NEGRA
                                                                      FAJà GRANDE
                                                                 ROCHA  DOS  BORDÕES
                                                               ILHÉU  DO  MONCHIQUE
                                                                        CANA  ROCA
                                                                POÇO  DO  BACALHAU
                                                                POÇO  DO  BACALHAU
                                                               MORRO  DOS  SETE  PÉS
                                                    FAROL  DA  PONTA  DO  ALBERNAZ


Anamar

quarta-feira, 14 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DO CORVO

 

                                                                          Caldeirão
                                                                    Foto do Caldeirão ( CIACC )
                                                                    Avistamento da ilha
                                                                      Vila do Corvo
                                                                   Na subida para a cratera
                                                                     O que se conseguiu ver
                                                                         No pastoreio
                                                                          Vila do Corvo
                                                                     Piscinas naturais
                                                                              Moinho
                                                                     Moinho recuperado

Vila do Corvo
                                                                  Atravessando o canal


E era dia de ir ao Corvo !  Claro, se as condições climatéricas assim o permitissem.  E permitiram !

A menor das ilhas do arquipélago açoreano, esquecida no Atlântico a norte das Flores, com pouco mais de  quatrocentos  habitantes, inóspita  e  isolada ... perdida  no  tempo,  parece  dormir  um sono  de eternidade !
A ilha do Corvo, do Grupo Ocidental, é a mais distante do Continente e a mais próxima da América, ocupando uma área de apenas 17 quilómetros quadrados.

Saímos das Flores por via marítima, num semi-rígido com lotação de cerca de trinta pessoas, com um céu descoberto, vento a favor e mar manso, para o que costuma viver-se  naquelas paragens.  
A ondulação não perturbava, apesar do galope que nos conduzia, e apesar do "banho" de mar com que gostosamente éramos brindados e nos deliciava.
Tudo se transformou numa brincadeira, entre risos, gritos, fotos, vídeos e sobretudo uma ânsia de demandarmos aquele pedaço de terra, meio misteriosa, fantasmagórica, selvagem e resistente ...
Um baluarte da tenacidade, da resiliência, da perseverança e da esperança !...

E à medida que o canal ia sendo atravessado, a curiosidade e a impaciência assaltava-nos.  Afinal quando é que essa ilha mais adivinhada que sabida, se dignava romper o cinzento uniforme de um céu entretanto fechado, e se desnudaria aos nossos olhos ??
De Inverno, o barco da travessia fá-la duas vezes por semana e no Verão a sua periodicidade é quase diária, existindo, para quem enjoa, também a opção aérea.

E a certa altura, do nada foi-se definindo um contorno, desenhando uma imagem, corporizando uma realidade ... o Corvo surgia iluminado por um sol aberto !  

A povoação de Vila do Corvo, situada na principal zona plana da ilha e composta por um entrelaçado de ruas estreitinhas e sinuosas ( assim construídas para a proteger dos ventos fortes que normalmente assolam a ilha ), calcetadas com seixos rolados e lajes polidas ( "canadas" ), constitui um município, o único em Portugal sem possuir qualquer freguesia.
É o centro de tudo o que acontece na ilha e é um povoado pequeno, situado numa fajã, no extremo sul, junto ao mar.  Com tendência para o despovoamento, não será fácil habitá-lo.
Os corvinos, população muito envelhecida, fazem-no por opção !!!
Não há transportes públicos, nem falta fariam ... o alojamento é escasso, os géneros dependem do abastecimento vindo do exterior ...

A ilha do Corvo está classificada pela Unesco como Reserva Mundial da Biosfera, sobretudo pela diversidade dos ecossistemas que possui, e pela riqueza da flora endémica que a reveste.
Mas primordialmente pela existência do Caldeirão, no seu topo,  ( a cerca de 6 km do sopé ), gigantesca cratera, que ocupando quase metade da ilha, é a resultante de um vulcão extinto.
Tem um perímetro de mais de dois quilómetros e no seu interior existem duas lagoas pouco profundas, 
Para quem aprecia este tipo de caminhada, está concebido um trilho pedestre que desce ao fundo da cratera, contorna as lagoas e volta ao ponto de origem.  Contudo, essa aventura só é possível em condições de total segurança, com tempo completamente aberto e com guia, pois quase sempre a cerração se abate repentinamente, cobrindo totalmente o que a vista pode alcançar.  Acresce que o solo é pouco confiável, com zonas pantanosas camufladas pela verdura rasteira.
Na Vila existe um interessante Centro de Interpretação Ambiental e Cultural do Corvo, sito numa casa antiga recuperada para o efeito, que pretende dar a conhecer as especificidades ambientais e culturais da ilha.

Desta feita o S.Pedro não conseguiu ser simpático.  Lá que subimos ao Caldeirão, subimos ... Mas, a menos que nos sentássemos, quiçá a tarde toda, para esperar o dissipar do nevoeiro ... com êxito ou não ... apenas pudemos imaginar as imagens da fascinante panorâmica de que em circunstâncias auspiciosas poderíamos desfrutar, e não mais ...
Mas de qualquer forma foi bem gratificante a subida, e todas as vistas que ao longo do acesso nos são disponibilizadas !  
No silêncio apenas povoado pelo vento agreste que passava, pelos chocalhos ou balidos das vacas em pastoreio pelas encostas nas plataformas abrigadas entre muros de pedra ... nem os cagarros soavam ... 

Entre o aeródromo, na ponta sul da ilha, e a costa recortada e rochosa, no topo de uma arriba donde se vislumbra todo o canal, existem 3 moinhos de vento, típicos e devidamente recuperados.  Datam do século XIX e são os únicos que resistiram aos tempos, como memória de uma actividade já extinta na ilha.
Por detrás dos moinhos, junto ao mar, a orla agreste desenhou pequenas piscinas naturais, na irregularidade basáltica dos rochedos.  

Por tudo isto que vos conto, e tudo o mais que apenas se vivencia e é impossível contar ... porque só se sente e regista no coração e na alma ... o Corvo será intemporalmente, um destino de paz, de segurança, de paisagens avassaladoras e trilhos a explorar .  
Um tesouro longínquo, sonolento e silencioso , escondido na solidão do oceano !!!

                                                                Vila do Corvo

Anamar

terça-feira, 13 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA " - ILHA DE S. JORGE

 



                                                       Igreja de Santa Bárbara das Manadas


Alguém  lhe  chamou " um gigantesco navio de pedra eternamente ancorado no meio do Atlântico".


A " Ilha Lagarto " desce a pique para as profundezas do oceano desde o alto das suas falésias escarpadas, às fajãs adormentadas em espreguiçamento de intimidade com a Natureza pura.

S.Jorge integra o Grupo Central açoriano, tem 53 km de comprimento por um máximo de 8 de largura, e emergiu das profundezas do mar, pela actividade sísmica e vulcânica .  É um dos vértices das chamadas "ilhas do triângulo", em conjunto com o Faial e o Pico, do qual a separa um estreito canal de cerca de 15 km - o canal de S.Jorge.
O seu ponto mais alto é o Pico da Esperança, com mais de mil metros de altitude.
Foi achada e descoberta logo depois da Ilha Terceira, e sabe-se que o seu povoamento se terá iniciado por volta de 1460, com o primeiro núcleo populacional nas Velas e posteriormente um segundo núcleo situado na Calheta.

A Ilha, muito embora o seu relevo seja agreste e inacessível, foi vítima, no decorrer da sua história, de ataques de piratas e corsários.  
Só no século XX o seu isolamento foi sanado com a construção dos seus principais portos, de Velas e Calheta, bem como a construção do aeródromo de S. Jorge.
Desde o início do povoamento o desenvolvimento económico passou pelo cultivo do trigo e do milho, da urzela e do pastel, os quais eram, ao tempo,  exportados para o reino e para os territórios portugueses de África.
Hoje em dia, vive-se do aproveitamento dos recursos naturais, da expansão da pecuária e pesca, do fabrico e comercialização do famoso Queijo da Ilha ... e ainda do turismo.
A videira foi um dos grandes produtos agrícolas de S.Jorge desde o século XVI, perdurando por três séculos.  As vinhas ocupavam os chamados "currais", existentes até hoje e feitos com muros de pedra basáltica, que serviam de locais de abrigo climatérico, para as plantas.
O "ciclo da laranja" também foi muito importante, com exportação para a Inglaterra e América.  O inhame, plantado em qualquer palmo de terra, foi fonte de subsistência para as populações mais desfavorecidas.  Também a caça à baleia, durante a última década do século XIX até meados do século XX, foi importante fonte de rendimento.
Das vigias instaladas em pontos estratégicos da ilha, com vista privilegiada para o mar, era dado o alarme do avistamento, por forma a que a população acorresse ao cais mais próximo, para se fazer à caçada.

Hoje a actividade mais produtiva prende-se com a exploração agro-pecuária, com a criação de bovinos para produção de carne e leite entregue nas Cooperativas, onde é transformado no famosíssimo queijo, mais ou menos curado, e detentor de "Denominação de Origem Protegida ".
Existe mesmo a Confraria do Queijo de S.Jorge.
Na Fajã dos Vimes, sul da ilha, na Freguesia da Ribeira Seca, pudemos ainda apreciar os trabalhos feitos em lã, representativos do artesanato local.

A cobertura vegetal da ilha sofreu alterações ao longo dos séculos.  Extinguiram-se espécies, e foram introduzidas espécies novas, como a batata, o inhame, o pastel, a batata-doce, a laranja, a conteira que aqui recebe o nome de "roca da velha" como referi no meu post anterior e que se tornou totalmente invasiva em território açoriano ... a criptoméria, o trigo, o milho, a vinha e as hortênsias entre outras.
Em altitude predominam as pastagens, enquanto que as fajãs são verdadeiros eco-sistemas onde as diferentes espécies vegetais convivem amplamente em harmonia, podendo encontrar-se centenas de diferentes plantas em escassos hectares.
Lógica e consequentemente, a fauna também aí é abundante.  As aves, desde a gaivota, a cagarra, o milhafre, o canário e o melro entre outros, têm como mais recente parceiro o pardal, que curiosamente povoa estas paragens apenas desde 1970 !...
No mar o peixe abunda, é variado e excelente.  Os crustáceos e moluscos imperam, as lapas, as famosas cracas e as amêijoas são petiscos incontornáveis !!!

A arte sacra está permanentemente presente em todos os lugares açorianos.  Trata-se de um povo devoto, intrinsecamente crente, temente a Deus e cultuando a imagem do Santo Cristo, acima de tudo.
Essa fé evidencia-se exacerbada, direi, porque sendo uma gente mártir e sacrificada, permanentemente assolada por cataclismos e fenómenos naturais incontroláveis, no seu isolamento e parcos recursos, sempre buscam protecção e amparo, nas entidades divinas.
Aqui, em S.Jorge, a Igreja de Santa Bárbara das Manadas ficou particularmente na minha memória.

Em suma, e porque a história vai longa, poderei dizer que a Ilha Lagarto é um mix de emoções, uma mescla de diversidade natural entre arribas altas e escarpadas na costa norte e declives menos acentuados e suaves, descendo para um oceano profundamente azul, na costa sul, onde as fajãs ( fenómeno morfológico único da orografia dos Açores ), habitadas quase todas, mas com um acesso difícil, lembram uma donzela espreguiçada placidamente à beira-mar, contemplativa, silenciosa e orgulhosa de tanta beleza esbanjada a rodos !...

S.Jorge e as suas fajãs, os seus miradouros, as vistas esmagadoras sempre prontas a surpreenderem-nos em cada volta de estrada, as suas paisagens que dos cumes das arribas nos retiram o fôlego e convidam à introspecção e à contemplação ... remetem-nos à pequenez e à insignificância do ser humano, face a uma Natureza selvagem, genuína, onde o Homem aceita, agradece e não perturba ...

                                                                      Fajã dos Cubres

Anamar

segunda-feira, 12 de outubro de 2020

" AÇORES EM ANO DE PANDEMIA "- ILHA DE SANTA MARIA


                                                              " Meninas vão p'ra escola "

" Conteiras "

" Criptoméria Japónica "

Está ali, a sul de S.Miguel no meio do Oceano Atlântico, fazendo parte do grupo oriental dos Açores, a primeira ilha deste arquipélago a ser achada - Santa Maria.

É a ilha mais próxima do Continente, exibe uma forma rectangular e existe há 6 milhões de anos, depois de afundamentos e elevações motivados por fenómenos geológicos que se foram sucedendo ao longo das eras.

Com um dia a começar nublado, com alguma chuva leve intermitente, mas temperaturas  na ordem dos 22º C, iniciámos o percurso pela ilha, começando pela freguesia da Vila do Porto na costa sul, e progredindo para o norte, até à Baía dos Anjos, lugar balnear por excelência devido às suas piscinas naturais tão apreciadas pelos autóctones.

Santa Maria está dividida em cinco freguesias.  Vila do Porto que é uma vila da freguesia com o mesmo nome, é simultaneamente a sede do Concelho, e a mais antiga vila açoriana.
Não tendo sofrido actividade sísmica desde o povoamento, causadora de outras catástrofes nas demais ilhas dos Açores, Sta.Maria sempre sofreu do isolamento e inacessibilidade que lhe limitavam o poder defensivo, face aos ataques de piratas e corsários.
O Forte de S.Brás que ainda detém peças de artilharia pesada direccionadas para o mar, é um baluarte vivo da sua defesa.

As cinco freguesias apresentam uma singularidade ímpar :  cada uma emoldura as suas janelas e portas com bordaduras de cor distinta, à semelhança das casas do nosso Alentejo.  
S.Pedro, Sta. Bárbara, Sto. Espírito e Almagreira usam quase religiosamente,  as cores amarelo, azul, verde e almagre respectivamente. 
As casas exibem telhados de quatro águas e as chaminés apresentam duas tipologias particulares.  Ou são "chaminés de vapor", ou são " chaminés de mãos postas", buscando origem exactamente nos povos algarvios e alentejanos que povoaram predominantemente a ilha.

Orograficamente Sta.Maria é "dividida" de norte a sul, por uma zona montanhosa, o "Pico Alto", com cerca de 572 m de altitude, separando a sua zona ocidental, mais plana, da oriental, recortada, com escarpas e muitas reentrâncias, proporcionando cenários magníficos !   
Respeitam a épocas geológicas diferentes.
A Baía de S.Lourenço, na freguesia de Sta.Bárbara, zona de praia procurada pelos habitantes da ilha, é duma beleza inesquecível !  Olhámo-la do alto de um miradouro que permite uma perspectiva fantástica dessa beleza natural ...
No sul, a Praia Formosa, magnífica praia de areia branca, ao contrário das areias basálticas da ilha, também mereceu especial atenção.
Na Vila do Porto, o Centro Interpretativo Ambiental Dalberto Pombo, onde a neta do próprio e continuadora da obra do avô, nos levou ao conhecimento do património natural da ilha, e nos falou das espécies e fósseis marinhos de importância internacional e únicos no contexto açoriano, justificou largamente a visita. 
Do Pico Alto, em condições atmosféricas favoráveis ( o que não foi o caso ), poderia observar-se toda a ilha, numa panorâmica de 360º.
Não esqueçamos que "soi dizer-se"  poderem sentir-se nos Açores, as quatro estações climatéricas num só dia.  Por isso, é sempre uma "caixinha de surpresas" a imprevisibilidade do que nos espera em cada volta de estrada ou em cada subida de montanha ...

Gastronomicamente, deverei referir um produto exclusivamente mariense e artesanal, de origem certificada ... os "Biscoitos de Orelha", de presença certa em todas as festividades da ilha, com formato genuíno e moldagem manual.
Obrigatório provar ... Obrigatório comprar !...  😜😜😜

São verdes, muito verdes as elevações e os campos dos Açores.  Sta.Maria é chamada a ilha do sol e é muita e variada, toda a flora que a reveste.  Pelas encostas, a criptoméria japónica, uma conífera  oriunda do Japão e da China e introduzida na ilha no século XIX para aproveitamento da sua madeira para a construção e indústria naval, trepa, cerra e sombreia.  Tem um porte que pode atingir até 70 m de altura e mais de 4 m de diâmetro do tronco, em condições favoráveis, e cobre cerca de um terço da floresta insular. 

Por debaixo,  a "conteira", espécie endémica dos Himalaias, é uma planta invasiva que compromete as espécies endémicas da ilha. Têm-se mostrado ineficazes todos os esforços químicos ou biológicos para domar a sua proliferação.  As suas folhas utilizam-se contudo, quer para enrolar o queijo fresco quer como base na cozedura do pão.  As crianças chupam as flores amarelas com estiletes vermelhos em inflorescências chamativas, por serem doces.
Um grupo de investigadores da Universidade dos Açores, está contudo neste momento a desenvolver um projecto que utiliza os componentes desta espécie, para criação de materiais substituintes do plástico descartável. Desta forma, combate-se a praga e direcciona-se a sua potencialidade para um aproveitamento valioso.
Estas "conteiras" assim conhecidas no Grupo oriental do arquipélago, extremamente ornamentais, são conhecidas por "roca da velha" no Grupo Central e "cana roca" nas ilhas mais ocidentais.
Haveria de vê-las por lá ...

Por toda a ilha, ladeando os caminhos, no meio dos pastos, crescendo a esmo, surgem os maravilhosos tufos de "meninas vão p'ra escola", coloridas e diáfanas. 
São as flores que saúdam a chegada do Outono e florescem em plena época de início escolar.  Daí o nome atribuído a esta planta bolbosa ou "amaryllis belladonna", que atapeta em tons de rosa os lugares mais recônditos, campos fora. É uma planta nativa da África do Sul. 
Existe em todo o arquipélago excepto na Ilha do Corvo.

E para finalizar esta súmula explicativa da minha digressão por Sta. Maria, resta-me apenas e sempre, referir como é gratificante e regenerador da alma, deixar simplesmente a vista espraiar-se pelos patamares verdes a perder de vista, onde as vacas em pastoreio, empoleiradas nos socalcos mais insuspeitos, nos lembram e confirmam que na Terra, por vezes também há Paraísos !!!...


                                                                     Baía de S.Lourenço


Anamar

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

" ATRÁS DE UM SONHO " - AÇORES EM ANO DE PANDEMIA - Dia 1

 


Não haveria seguramente melhor introdução à minha demanda do paraíso habitado por estes "estranhos e simpáticos loucos", do que ler este pequeno texto encontrado num "postal free" no Peter's Bar na cidade da Horta - Ilha do Faial, uma das que compõem o arquipélago dos Açores !

Dele, cheguei há dois dias, após uma digressão pelas ilhas menos conhecidas, de um conjunto fantástico, diverso e incomparavelmente belo, constituído por nove, todas particulares, todas com especificidades distintas ... mas todas igualmente românticas e sonhadoras !

Achava eu que desta feita, faria finalmente uma "reportagem adequada" ao evento.  E p'ra isso, levei comigo um caderninho apropriado e enchi-me de boas intenções.
E comecei. Comecei direitinho com os registos, os apontamentos, enfim, a informação que ia colhendo e que os guias locais sábia e profusamente iam debitando aos quilos !  😁😁
Só que "o Homem põe e Deus dispõe" e a exigência da viagem, a falta de tempo livre entre todos os inúmeros acontecimentos, as infinitas paragens e as milhentas fotos inesgotavelmente colhidas, acrescidos aos horários proibitivos de despertares madrugadores, obrigando a recolhimentos em conformidade, goraram todas as minhas prévias convicções, por cansaço e impossibilidade a rigor, como eu gostaria.

Por isso, vou escrevinhar por aqui qualquer coisa, do tanto "bebido", "sorvido" e infelizmente quase impossivelmente arquivado ... enquanto me lembro ...

Tudo começou no dia 27 do extinto mês de Setembro do famigerado e pouco recomendável ano de 2020 ...

" As gaivotas adejavam aqui por cima.
Era um bando bem razoável.  Pareciam perdidas no vento ... ou talvez apenas brincassem na aragem já meio desabrida, deste domingo 27 de Setembro do traiçoeiro ano de 2020 !
O Outono, se dúvidas houvesse, mostra bem que se instalou, apesar do sol, que já não convence ninguém !

Hoje vou para os Açores na busca de uma semana que me tire deste sufoco diário.
Acredito que lá, no silêncio daquela natureza pródiga e autêntica, eu até me esqueça, pelo menos por uns dias, do que ficou por aqui !
O céu tem nuvens brancas, de "carneirinhos" ... floquinhos de algodão semeados no firmamento, até onde a vista alcança.  A temperatura é generosa, o sol aconchega quando a brisa se não sente.

São quase seis da tarde.  O avião da SATA ultrapassou as nuvens, fez-se às alturas, deixando que o atapetado branco nos ficasse por debaixo, como claras em castelo iluminadas pela luz do fim de dia.
O azul lá fora é já ténue, esbatido, diáfano !
E aí vou eu, rumando à Ilha de Sta.Maria, início de um périplo por muitas outras ilhas que não conheço, onde nunca vim ... S.Jorge, Faial, Terceira, Graciosa, Flores e Corvo, excluindo S.Miguel onde já estive em 2018, faz exactamente nesta altura dois anos portanto, e que conheço bem.

Neste momento, com a vivência sinistra da Covid 19, devastadora e impiedosa, que nos limitou as vidas, as rotinas e os horizontes, nos amputou a esperança e nos cortou os sonhos, os Açores é uma das poucas viagens possíveis, um dos poucos destinos passíveis de o serem de férias, para os portugueses deste extremo da Europa continental.
É considerado pelas autoridades sanitárias um destino "Covid Free", como aprendemos a dizer agora, e a agência de viagens com que viajo, é paradigma e exemplo de uma gestão super- segura, cuidadosa e tranquila para os seus clientes.
Tudo está a ser calculado ao pormenor, tudo está a ser monitorizado ao milímetro ...
Até agora, neste contexto sinto-me totalmente protegida.
Foi feito um teste de despiste da doença, exigido e custeado pelo Governo Regional dos Açores 72 horas antes do embarque, o qual teria obviamente que ser negativo para que pudéssemos voar.  No arquipélago será realizado outro com a mesma antecedência, antes do dia do regresso ao continente.

O programa a cumprir é exigente em termos de deslocações.  Prevêem-se oito voos inter-ilhas, e essa é francamente a parte negativa da viagem para quem, como eu tem pavor de avião ... 😁😁
Mas não há solução ... afinal não há tempo a perder, e se adoro conhecer destinos, pessoas, costumes e lugares, há que "domesticar" esta minha fobia e fazer-me à estrada, que é como quem diz, racionalizar esta paranóia absurda, descontrair o espírito, e de coração ao largo, perseguir os meus sonhos e desejos ... enquanto dá, enquanto posso, enquanto tenho vontade !...

E pronto.  Este é o meu primeiro escrito sobre o que aguardo ansiosa, e que acredito piamente poderá vir a cumprir a realização de mais um projecto, que ironicamente na minha mente, havia reservado para bem mais tarde, para quando "andasse de bengala" ( era assim que costumava dizer  😀😀 ) ... e que a Covid me impôs por ausência de alternativas possíveis e / ou seguras.
Talvez seja também essa a razão por que o grupo de viajantes seja maioritariamente constituído por pessoas de determinada faixa etária.
Continuarei a registar, com o pormenor possível neste momento, mais esta minha aventura, em condições e num ano tão particular como este, também para que um dia mais tarde, quem leia estes meus textos, possa talvez perceber como se viveu, como se ultrapassou, contornou e suportou das melhores formas possíveis, a tragédia que se abate sobre o ser humano, por todo este mundo !...

Até amanhã ...

Anamar

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - ainda sinal dos tempos ...

 


Iniciar o dia ao som desta Ave Maria, só por si uma melodia celestial, recheada de imagens esmagadoramente belas, foi um privilégio concedido hoje, por uma amiga.  Uma espécie de miminho ou afago no coração ...

Invariavelmente, antes mesmo de emergir das cobertas, começo os meus dias tentando situar-me no que entretanto chegado ao telemóvel  ( até então com o wifi desligado ), me relaciona com o mundo lá fora, me situa no borbulhar da vida que nunca pára, e que sempre se vai fazendo à revelia do sono dos mortais ...
Se em tempos atrás as pessoas se comunicavam quando necessário, quando um ou outro acontecimento exigia comemoração especial, ou havia que actualizar notícias sobre um ou outro amigo do qual não se sabia ... neste momento e desde que a pandemia da Covid nos caíu em cima, as pessoas comunicam-se por tudo e por nada, pela simples razão de nos sabermos vivos, nos sabermos bem, nos sabermos amados, queridos ... e consequentemente preocupados uns com os outros, na solidariedade expressa, quase único rosto visível de afecto possível, em período de confinamentos, distância social e outras restrições.
Em tempos de angústias, medos, incertezas, mas também de silêncios, solidão, saudades e tristezas ... o "pingue-pingue" das notificações no telemóvel, a chegada de correio reconfortante, amparador ou potenciador de boa disposição, vindo de amigos, conhecidos ou simples contactos virtuais, é uma bênção que pela manhã de cada dia, nos mostra que os afectos, a amizade e o amor, são cordões invisíveis que vencem barreiras, distâncias, ausências, dificuldades e todas as atribulações inimagináveis, e estreitam no mesmo abraço único, aqueles que se querem bem ...
São sinais inequívocos de presença, de humanidade, de solidariedade, cumplicidade e partilha que nos aquecem a alma !
São desejos de bons dias, boas noites, boas tardes, dias felizes, que atravessam o éter e nos mostram que algures por aí, mais perto ou mais longe, alguém pensou em nós, nem que por escassos momentos, alguém dedicou um pouco do seu tempo a conseguir estampar-nos um sorriso no rosto, soltar-nos uma gargalhada no ar,  ou às vezes uma lágrima de emoção e carinho !

Hoje, as imagens deste vídeo e a sonoridade dos acordes da Avé Maria, remeteram-me por esse mundo fora no deslumbramento de arquitecturas sem adjectivos que as qualifiquem, inebriaram-me no silêncio dos claustros, ressoaram-me nos passos que fiz pelas naves das catedrais, maravilharam-me pela luz coada de vitrais, que não são mais do que um rendilhado entretecido de vidro, de cor e de mistério ...
Transportaram-me por instantes à pequenez daquilo que sou, à dimensão irrelevante da efemeridade do ser-se humano !
Levaram-me através dos tempos, das eras e da Vida, aos artesãos da pedra, aos construtores dos sonhos e aos realizadores da Obra ... que fica e ficará para todo o sempre !
Carregaram-me a nostalgia da infinitude, o distanciamento do inalcançável, a puerilidade do grão de poeira que todos somos por aqui !...
E inevitavelmente pensei :  tanto mundo a conhecer ... e tão curta e breve a Vida !!!...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

domingo, 20 de setembro de 2020

" DIVAGANDO ... "

 


O Outono está a chegar ...

De mansinho bate-nos à janela, e entrará pela porta principal dentro de três dias.  O equinócio de Outono, ao virar da esquina, fez-se já manifestamente presente  nestes últimos dias ...  A chuva chegou com ameaça de borrasca considerável, as temperaturas desceram, o céu cobriu-se de nuvens e o sol amarelou na tonalidade, amansou e tornou-se doce e envolvente, como só este sol de fim de estação o sabe ser ...

Apesar de já nos despedirmos de um Verão fugidio e distante, vivido pela estranheza de tempos que não entendemos, fica-nos no coração o sentimento de uma injusta despedida, de uma sentida partida, de alguma coisa que não chegámos a experimentar ... de iguaria a que nos subtraíram, antes mesmo de podermos saboreá-la ...
Alcançámos claramente o ponto de não retorno, que tudo tem, na existência humana ... 
Na Natureza também !
Breve a hora mudará, os dias ficarão mais curtos e a noite descerá mais cedo.  De novo as nossas vidas se remeterão ainda mais ao confinamento entre paredes, onde os silêncios, a solidão  e os momentos de intimismo nos confrontarão mais e mais connosco mesmos, numa introspecção, num solilóquio e numa imersão emocional equilibrante e gratificante, neste vórtice enlouquecido e esgotante, que experimentamos por cada dia que vivemos ...

O Outono é um período de pausas, de avaliações, de sonolências.  É um período de adocicadas sensações, como se, tal como a Natureza, abrandássemos a marcha, desacelerássemos todo o nosso metabolismo emocional, corrêssemos as cortinas p'ra deixarmos o coração pairar numa luz apenas coada e ténue, numa luz difusa e aconchegante, de toca que se prepara para a hibernação reparadora.
Tudo à nossa volta se pinta em cores de quentura boa, em sons de sesta anunciada, em embalo de colo materno ...
É a Vida a preparar-nos para o que vem.

O Outono é a melancolia duma tela de Monet, a envolvência duma partitura de Vivaldi, ou simplesmente o sabor generoso dos arandos, dos diospiros, das romãs, dos mirtilos e framboesas , das amoras silvestres ... dos marmelos e de todas as compotas que hão-de tornar mais doces e vívidas,  as memórias das avós e tias doceiras da nossa meninice ...
O Outono é o laranja, o ocre, o vermelho, os castanhos e os dourados esmaecidos, da folhagem que já atapeta praças, alamedas e jardins ... com a chegada dos primeiros ventos mais castigadores ...
É o aroma que trepa no ar, quando as castanhas desejadas, estralejarem no assador ...
E é também os musgos e os líquenes que amarinham os troncos na mata, e a caruma que resmalha quando os nossos pés se perdem pelos caminhos da serra ... 

... a lembrarem que é Outono outra vez !...

Anamar

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - " levemos a carta a Garcia ..."

 


Escrevi há dois dias um texto relacionado com o início do ano escolar, no contexto pandémico que vivemos.

Era um texto que procurava fazer um ponto da situação do país face à Covid19, perante publicação, uma vez mais,  do  Estado de Contingência decretado pelo Governo.

Seguia-se uma análise ... a minha ... exactamente sobre essa imensa preocupação genericamente vivida pelos cidadãos deste país, no concernente à reabertura das escolas para mais um ano lectivo, sabido por todos que se trata de um período profundamente particular e preocupante, e um momento de muita apreensão, ansiedade e até receio.
Era contudo um texto esperançoso, um texto dirigido a todos os principais intervenientes nesse exigente processo, com uma saudação de apreço, de gratidão, com votos de coragem e de confiança.  
Mas também de esperança e fé, em que com todas as dificuldades do mundo, num ensaio de proveta nunca antes testado, se pudesse alcançar o mínimo necessário para pormos em marcha um comboio de toneladas de responsabilidade, toneladas de exigência e mais toneladas ainda, de dificuldades a vencer !...

Trata-se de uma empresa ciclópica, exigindo uma articulação perfeita entre todas as estruturas envolvidas, um trabalho no terreno, gigantesco, um trabalho de coordenação oleado e funcional, sem precedentes, uma visão abrangente e esclarecida em equipas convergentes nos objectivos e nos interesses a contemplar.
Depois, há toda uma massa humana diversa, que forçosamente terá que remar convergentemente, numa maré alterosa de  mar encapelado, em que qualquer desajuste, desistência, falta de empenhamento, descompromisso, pode representar um prejuízo inestimável e imprevisível, potenciador de um insucesso e de um falhanço sem precedentes neste arranque histórico !

E os números da Covid, não param de aumentar diariamente ... assustando mais e mais !

Ontem atravessei o centro da cidade que habito.  Percebia-se claramente que as escolas haviam iniciado...
Os grupos de jovens pelas ruas, em bandos de sete, oito ou mais, muitos deles totalmente desprotegidos, sem máscaras no rosto,  permitindo-se comportamentos de risco, por desrespeito da distância social de segurança,  com contactos físicos ... íntimos mesmo ... manifestavam uma displicência, uma inconsequência inaceitável, uma irresponsabilidade ou até um desafio ostensivo, face á realidade que se vive ... que verdadeiramente me assustou.
Todos sabemos que parecia estarmos de saída de um período de reclusão excessivamente duro, em que, obviamente os mais jovens, fruto exactamente da pouca idade, da imaturidade, das hormonas açaimadas há tempo de mais, e da sua normal necessidade de contestação e irreverência ... mais dificuldade terão tido no enquadramento de uma "normalidade" totalmente anormal.
Contudo, todos pertencemos a uma sociedade que terá de se entreajudar,  terá de se consciencializar que a segurança colectiva passa pela segurança individual, e que o respeito que todos nos merecem, passa por comportamentos cívicos, de partilha, compreensão e responsabilidade inalienáveis e independentes das classes, das faixas etárias e das vontades !...
Isto terá que ser assimilado por todos, sob pena de um brutal insucesso, de um rotundo falhanço e de uma consequente catástrofe nos submergir colectivamente !!!

O sacrifício é de todos, o objectivo é comum ... o sonho também !
Não queremos / não podemos retroceder ... não podemos vir a morrer na praia !

Apelo à inteligência, ao espírito de solidariedade social, ao empenho e à generosidade !
Não deitemos tudo a perder.  Não tornemos vão, todo o sacrifício dos que dia a dia, com infinitas dificuldades, estão a dar tudo por tudo, estão a dar o melhor de si para que o futuro destas crianças e destes jovens possa assegurar-se com o mínimo de danos possíveis, rumo ao futuro !

Que saibamos pois, aqui e agora, levar a  "carta a Garcia" !...

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !





Anamar

terça-feira, 15 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - outra página que se abre ...





" A verdadeira esperança sabe que não tem certeza.  É a esperança não no melhor dos mundos, mas num mundo melhor " 
                                     Edgar Morin


Bom, li esta reflexão do filósofo Edgar Morin, ontem, algures por aí nos media, e ela aplica-se direitinho ao momento que vivemos.
De facto, se há momento da nossa vida recente, onde ela melhor encaixa, é exactamente este, em que a esperança que forçosamente tem que nos penetrar os espíritos, é uma esperança ténue, titubeante, medrosa, cautelosa, tímida de mais ... Meio pintura desbotada sem força para se colorir em plenitude ...

Integramos mais um período excepcional das nossas vidas, face à pandemia, que não só não arreda pé, como parece ter-se reforçado na força e na agressividade.
Os números diários por essa Europa fora e em Portugal também, ombreiam com os mais violentos do início deste flagelo.
E se na altura, as ordens dadas foram de encerramento, confinamento e regresso às tocas fazendo-nos de mortos ... agora, haja o que houver, estamos aí em campo aberto, dando o peito às balas.
Não existe de nenhuma forma, qualquer hipótese de conter a calamidade com medidas idênticas às que drasticamente foram tomadas em Março, Abril ... por aí.  Em termos económicos, o país já derrocou o que havia a derrocar, e é inexequível que iguais medidas, no sentido de tamponizar sanitariamente a progressão dos contágios e o avanço da doença, possam vir a ser tomadas de novo !!!

Como paliativo, diria eu, decretou-se novamente um chamado Estado de Contingência que abarca em si um aperto nas restrições, que afinal nunca deixaram de existir.
Legislou-se de novo sobre os ajuntamentos, estrangularam-se mais as determinações sobre o funcionamento dos estabelecimentos comerciais, deliberou-se outra vez sobre as regras trabalhistas ( tipologia de prestação, horários, formas de convivência entre os trabalhadores no sentido de desfasamentos, quer de entradas, saídas, pausas, refeições ), mantiveram-se na restauração as medidas respeitantes ao distanciamento social, ao uso das máscaras, à lotação dos estabelecimentos ...
Nos transportes públicos e em espaços fechados, a protecção do rosto continua a ser obrigatória, podendo até, pontualmente em casos que o justifiquem de acordo com a sua situação epidemiológica, que algumas autarquias igualmente o determinem na via pública .
Álcool continua a não poder ser vendido nos espaços comerciais depois das vinte horas, e o seu consumo nos espaços públicos não permitido.
As actividades desportivas permanecem condicionadas ;  os espaços de lazer que varavam as noites, como os bares e as discotecas  com o figurino que lhes conhecemos, têm igualmente limitações rigorosas de horário, podendo, se aceitarem reconverter-se a pastelarias e bares simplesmente, laborar atá às vinte horas.
Pistas de dança, DJs e copos à discrição pela madrugada fora, nem pensar !....

Estas, são apenas algumas das medidas mantidas, alteradas e reconfiguradas.
E referi tudo isto, que pode afinal consultar-se nas determinações emanadas da Assembleia da República e que estão em exercício desde hoje 15 de Setembro pelo menos até ao fim do mês,  para pegar no que verdadeiramente me trouxe à escrita desta crónica, por ser o que prioritariamente mais me preocupa, mais me deixa interrogativa e ansiosa :  a reabertura do ano escolar.
Daí que a frase de Edgar Morin continue a martelar-me os parcos neurónios, já em "período de contingência prolongada" ...😎😎😎 : a busca desenfreada de uma esperança que me permita acreditar que apesar de sem certezas, alcançaremos neste arranque tão particular, não o melhor dos mundos ... mas um mundo melhor ...

As crianças, os adolescentes, os já menos jovens, os professores que encaixam numa outra faixa etária ... todo o pessoal de apoio logístico à abertura das escolas, iniciaram agora um caminho mais cerrado e tenebroso, mais duvidoso e incerto, do que o que nos devolveria o nosso D.Sebastião, na cerração daquela manhã de má memória ...
Ainda assim, os responsáveis puxaram de novo das forças, da criatividade, da entrega e da abnegação, da coragem p'ra voltarem a dar o tudo por tudo, em mais uma época escolar, juntando os cacos de uma outra que terminou coxa, incompleta, cheia de lesões e maleitas ...
Voltaram a reinventar o possível e o impossível, numa tentativa de "normalizarem" o rosto do que é tudo, menos normal.
Voltaram e têm em si a responsabilidade de nortearem, de adaptarem, de coordenarem e conduzirem uma massa humana muito particular, muito frágil e muito importante : os jovens deste país, uma outra vez entregues nas suas mãos ...
Pouco se sabe ? Inventa-se, improvisa-se, dentro da sensatez, do bom senso ... da boa vontade.
As dificuldades são inimagináveis e incontabilizáveis ? Tenta-se, tacteia-se na base do erro / acerto ... e progride-se, lentamente, em passos cautelosos ... o melhor que se saiba ... o melhor de que formos capazes !

"A verdadeira esperança sabe que não tem certeza ... " 
Todos nós sabemos como a estrada é pedregosa, cheia de escolhos, de percalços, de armadilhas até !...

Mas não buscamos o melhor dos mundos.  Já ficaremos felizes e tranquilos, se no balanço tivermos descoberto e alcançado um Mundo Melhor !!!...

Neste dia de hoje, saúdo e abraço com este meu texto, todos os meus colegas, que na nau das tormentas procuram um trilho de luz, nos oceanos !!!
Saúdo todos os encarregados de educação ... todos os pais, em que o coração se aperta e espreme no peito, por cada dia de dúvida, medo e apreensão ...
Saúdo e beijo todos os jovens que aí estão, respondendo presente, à chamada do futuro, do sonho e da VIDA !!!
Entre eles, envio um beijo muito particular, do tamanho do mundo ( perdoem a vacilação ) aos meus António, Vitória, Kiko e Teresa ...
Meus queridos ... a VIDA é de quem se atreve , não esqueçam nunca !!!...

Anamar

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

"AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - segunda vaga





Conheço três figueiras na mata ... de figos "pingo mel", que são "aquela coisa" que todos sabemos ...
Ao longo do ano passo por elas dia sim dia não, nos dias da caminhada.
Assim, insuspeita, vou-as namorando da Primavera ao Outono, acompanhando os seus ciclos biológicos, observando o despontar dos primeiros figos, o seu crescimento, a sua promessa generosa de produção abundante, ganhando a expectativa de algum dia ser dia de "colheita" ... 😁😁
Só que, os figos da mata, por direito, deverão ser pertença dos pássaros da mata !
E é exactamente isso que acontece.  Os "malvados" sempre me tomam a dianteira, e os figos, coitados, nem tempo têm de chegar à idade adulta !
Menos mal, que dessa forma, a consciência sempre me fica mais leve !...

Hoje lá passei de novo, e de novo verifiquei a "rapinagem" que por ali vai ... Com silvas à volta, e figos visíveis já só nas ramagens fora de mão, "corta-se um dobrado" para os alcançar ...

E porque as ideias nos ultrapassam e os pensamentos voam mais longe e mais soltos que a passarada das ramagens, lembrei a já só saudosa e úbere figueira pingo mel daquela casa que me ficou longe, na Beira das minhas memórias, onde os frutos eram tantos e tão bons, que não havia refeição que os não integrasse na sobremesa ...
E lembrei o ritual da chegada, em fim de férias de Verão, quando, antes mesmo de criada a logística da família para a estadia de alguns dias antecedentes à época escolar que se anunciava, entrando no jardim, sorríamos agradados e lançávamo-nos todos, adultos e crianças, saudosos e sequiosos, sobre os figos maduros, verde esmeralda, que se ofereciam dos ramos engalanados...
E era comê-los "à fartazana" !
A avó, sem qualquer sucesso, bem avisava : "meninas, os figos quentes vão dar uma dor de barriga !..."

Uma vez, a gulodice era tal que nem percebemos que o Óscar, o gato da família que por direito também ia de férias, se escapulira da transportadora e, também ele se interessara vivamente pela figueira.
Não que quisesse os figos ( gato que se preza não come fruta, que eu saiba ), mas porque a figueira com todo aquele manancial generoso, era poleiro de infinita passarada e local de dormitório dos ladrõezitos de meia tigela, que dessa forma, tinham o pequeno almoço sempre servido à cabeceira da cama !...
Foi um "Deus nos acuda" no resgate do Óscar, que amarinhara aos galhos mais improváveis da árvore, e jurava que de lá não sairia.
Desde os apelos mais ou menos pacíficos (com toda a família de nariz no ar ao redor da figueira ) ... ao aliciamento da "fera" com comida no prato, de tudo se fez, e em limite, lá tive que trepar eu própria, a uma escada buscada em improviso.
E periclitantemente, e em vias de despencar a qualquer momento, enfrentei o esgar de assanhamento da criatura e arranquei finalmente os oito quilos de gato a um dos ramos mais inacessíveis !...

Lembro como se fosse hoje !...  😍😍😍

As saudades apertam mais ainda, nestes tempos de aflição que nos atormentam, e por isso, o pensamento parece buscar refúgio no que foi, nas histórias que vivemos, nas memórias que guardamos carinhosamente ...  E tudo parece, contudo, tão longe, e ao mesmo tempo tão perto dos nossos corações !

Hoje, neste pesadelo que nos atormenta, as notícias que nos vão chegando ainda nos confundem mais as mentes, toldadas outra vez por um medo latente a instalar-se.
Os números da pandemia, alastram por essa Europa fora num descomando sem tréguas.
A tal segunda vaga ameaçadoramente prevista desde o início ... a tal segunda onda, que feita um tsunami mortal, varreria sem piedade e mais destrutivamente  ainda, de uma forma cirúrgica, país a país, nos trilhos já martirizados e por ela percorridos, parece estar aí !!!

O Outono a chegar à nossa terra, o desbloqueio inevitável e urgente do imobilismo e confinamento a que fomos votados no início do flagelo, o retomar da tentativa de alguma normalidade, com o recomeço escolar e com a reactivação de serviços e actividades, muitas delas passando outra vez de tele trabalho a prestação presencial ... uma necessária e expectável maior utilização dos transportes públicos em inerência, entre outros aspectos, tornam preocupante, a evolução do contágio em todo o país.
Os números actuais já deixam apreensivos todos os cidadãos, e colocam o Governo e as autoridades de saúde, num espartilho sem tamanho, entre a responsabilidade sanitária sobre toda a população e a gravidade da situação de um país cuja economia em ruptura não pode de nenhuma forma, voltar a fechar.
A situação brutalmente adversa do turismo, da restauração, das empresas sem capacidade de garantirem já os postos de trabalho, com o consequente aumento do índice de desemprego ... as exportações que caíram a pique e demoram para se reerguer ... estão a lançar para a miséria, muitos e muitos agregados familiares !
Ou seja, vive-se neste momento uma verdadeira prova de fogo, a que o Governo respondeu, em tentativa de embolizar a situação, com o decreto de um novo Estado de Contingência, já a partir do próximo dia 15 !
As restrições acentuar-se-ão, as medidas impostas à protecção individual e colectiva serão mais rigorosas e apertadas, os cuidados a observar ainda mais exaustivos. 
Em suma, voltaremos a sentir o peso de um  novo isolamento mais exigente, de um maior afastamento e solidão outra vez ... de uma vivência excepcional e mais desgastante ainda ... nós, os que já nos sentimos tão fragilizados e cansados e que psicologicamente ( sobretudo as pessoas de faixas etárias mais avançadas ) percebemos claramente, uma resiliência a esfrangalhar-se dia após dia !...

Bom ... aonde os figos me trouxeram !!! 😄😄😄

Até amanhã !  Fiquem bem, por favor !

Anamar

terça-feira, 8 de setembro de 2020

" AQUI DA MINHA JANELA " - HISTÓRIA DE UM PESADELO - hoje ...




Acabei de chegar de Amsterdão.
Vincent Van Gogh recepcionou-me no seu museu, abrindo-me a luz clara e límpida dos seus girassóis  amarelos, adormecidos em jarras translúcidas ...
Transportou-me entre meio às suas amendoeiras em flor, aos seus lírios azuis e às suas  papoulas vermelhas,  rumo  aos  pôres  de  sol  que  haviam  de  anteceder  as  noites  estreladas ...

E essa viagem no imaginário virtual que nos leva aos cinco cantos do mundo, que nos passeia nos lugares que inventarmos ... que nos transporta em directo à magia de um concerto, que nos leva ao cimo da Torre Eiffel a espreitar Paris, que percorre connosco a Grande muralha da China ou os doces canais de Veneza ... tudo à distância de um clique ... lembra-me de novo ( se o houvesse esquecido ), a vida excepcional que detemos, neste Agosto em vias de encerrar portas em direcção ao nono mês do ano, numa absurdidade sem tamanho ou explicação !

Essas viagens saborosas mas doídas, lembram-me as outras ... aquelas que só sonho e que não me saem dos olhos e do coração, por mais esforço que faça.  Lembram-me os sóis que invento sobre outros tantos mares igualmente inventados.  Lembram-me os cheiros, as cores e os sons  que me povoam  distantes,  a  mente e a alma.  Lembram-me o que foi, o que já foi e que talvez não volte a ser ...
Lembram-me, e despertam-me uma sensação estranha e intranquila, de fim e de despedida.
Instalam-me um desconforto aqui bem no meio do peito, que não consigo descrever. Mas que sinto ... claramente.  E que é palpável !
Um aperto de coisa suspensa e interminada ... coisa interrompida,
 sem suspeição.  Atropelo imprevisto, explosão não controlada ... de que se foge, de qualquer forma e modo. Desgosto !

E para trás fica o tudo que foi e que quando se busca, já lá não está.
Os lugares já lá não estão, os sentimentos já lá não estão, as pessoas também não ... nós já lá não estamos !  Fundamentalmente, NÓS já lá não estamos ... NÓS nunca mais lá estaremos, pela razão simples de que aquele que éramos se perdeu na curva do tempo !
Não conheço nenhuma outra faixa temporal que tenha tido uma capacidade tão grande de mudança e transformação nas nossas mentes, nos nossos corações, nas nossas vidas ... na nossa história !
Uma  eficácia  tão  grande  e  rápida  em  reescrever  e  redesenhar  os  destinos  da  Humanidade !
Na nossa terra, no nosso país e no mundo que habitamos.
Todas estas horas, dias e meses a descontar num ano injusta e ingloriamente consumido, são horas, dias e meses duma agressividade, desgaste e destruição sem tamanho, são  tempo delapidado, irrecuperável, demolidor ... tempo não vivido !

Foi um tempo modelador de novas personalidades, já que da noite para o dia, a adaptação severa que nos foi imposta a um figurino que desconhecíamos e que urgia cumprirmos, nos colocou face a uma realidade desconfortável, face a uma vivência ansiosa e assustada de passos titubeantes num arame sem rede, num caminho escuro sem luz e sem fim que se aviste !
Forjaram-nos um coração novo, mais duro e triste sem afectos e carinhos,  uma alma nova escurecida pela distância e pela solidão, testaram-nos a capacidade resiliente, a capacidade de sobrevivência  face à dúvida, à angústia e ao medo, tornaram-nos seres estranhos, desajustados e mais desumanizados ...

Chegámos ao hoje.
O cansaço invade-me, azeda-me o espírito, indiferentiza-me e vai-me anestesiando ... não adaptando !
Hoje parece só que estou à espera.  À espera de nem sei o que esperar ... mas espera.
Hoje amarguro-me e sufoco-me com esta ausência de horizontes, com esta distância que virou infinita, com  esta  desesperança  que  retirou  o  verde  à  minha  estrada  e  azul  ao  meu  céu ...
Hoje,  sonho  com  os  sonhos  que  sonhei  e  com  todos  aqueles  que  não  tive  tempo  de  sonhar ...
Hoje tenho saudades mil do tanto que foi ficando pelo caminho !...

Anamar