sexta-feira, 7 de novembro de 2008

A "CULPA" FOI DO ÓSCAR...



Já aqui não vinha havia dias...
Muita coisa ao mesmo tempo,culminando num problema de saúde meu, agravado por um problema de saúde do Óscar.

O Óscar está comigo há catorze anos...
Veio, contrariando vontades e convicções dos então presentes.
Veio, tinha ainda os olhos bem azuis, pêlos mal nascidos, um rabo de menos de dez centímetros, para um corpo de menos de vinte.
Cabia numa cesta de farnel de escola, era azougado e brincalhão, imparável e curioso e já mordia...com aquilo que prometia ser uma dentadura feroz...

O Óscar veio para ficar...e eu concedi-lhe o "privilégio" de atravessar comigo, períodos determinantes e significativos da minha estória...
Adoptou-me também, à "sua moda".
Adoptou-me ao ponto de nunca se abster de, quando lhe aprazia, me ferrar a unha ou me "trincar" (com o "amor" maior que conseguia), os tornozelos ou a barriga das pernas...

Aprendeu a "conversar" comigo, ou "aprendeu" a ouvir-me e a olhar-me incrédulo, quando só está ele p'ra me ouvir, ou quando só ele pode lamber lágrimas que me escorram pelas faces.
Aí, o seu miado tem um timbre de entendimento ou uma denguice de conforto e carinho.
Ainda assim, o Óscar altivo, independente e individualista perdura, e nem sempre cedeu às expectativas nele colocadas, de "amparo" e afeição...
Só quando queria...gato é assim mesmo...

O Óscar está velho.
O seu "prazo de validade" está a esgotar-se, com a rapidez com que perde as suas capacidades.
Olha para o alto do armário onde dormiu belas sestas e para onde saltava, atravessando em voo a cozinha, desde o cimo do frigorífico, na parede oposta.
Olha, mas já não experimenta sequer tentá-lo...
Olha, mas já o não divisa bem, pelo meio das cataratas que lhe afectam os olhos, agora amendoados...

Não faria por certo, recuar como há anos, um pastor alemão que lhe surgiu inesperado.
Não treparia ao alto dos pinheiros ou "compraria" brigas com gatos inteiros, pelo meio dos pinhais...

O Óscar ficou doente, muito doente, imprevisivel e injustamente doente.
Devia saber que não tinha nada que fechar "para obras"...muito menos equacionar bater em retirada...Logo ele, que nunca foi disso, nem conheceu medo ou cobardia...

Foi intervencionado, numa operação que tinha tudo para poder ser fatal, até porque o coração também não está a querer ajudá-lo...
Bem conversei com ele na véspera e lhe expliquei ao ouvido, que agora é que tinha que ser valente...que agora é que tinha que ser campeão...que não podia "ir-se embora", assim, sem mais nem menos, e deixar esta casa ainda mais vazia...
Não seria coisa de Óscar, mas sim de um "cobardolas" que eu sei que ele nunca foi...

O meu sono desarranjou-se todo...o meu estômago também...quase uma semana a água e chá preto...
Mas o Óscar foi e veio daquela mesa de operações; e tendo embora uma sutura de mais de vinte pontos, e não tendo este tumor, mas podendo dele ter mais metástases no corpo, portou-se de acordo com o seu estilo...não capitulou, não deu confiança à desgraça, não defraudou a minha expectativa, não gorou a minha confiança...
O Óscar está velho...não justifica o investimento em tratamentos mais agressivos...mas ainda é o Óscar!

As eleições americanas decorreram entretanto.
Obama felizmente venceu-as...
" É jovem", "é garboso", "é bem apessoado", "atlético", "está cheio de ideias e capacidades"...
"Simboliza a renovação contra a estagnação", "é capaz"..."pode"...
Tudo isto foi dito e repetido até à exaustão. Isto foi pedra de toque na análise da sua figura.
Concordo também...como não?!...
Ser jovem é que é vendável... Ser jovem, é só por si, meio garante de capacidade, possibilidade, conhecimento, poder...futuro!
Ser jovem é ser bonito, "elástico", "bem-cheiroso"...

Fala-se na experiência de vida, na maturidade, no "know-how"...
Fala-se da sabedoria, da acumulação de aprendizagens e conhecimentos (dados por uma vida vivida), dos velhos...ou dos "menos jovens"...

Uma pinóia!...

Ser velho, é o passaporte para o afastamento da sociedade, para a marginalização aos diferentes níveis (pessoal, familiar, profissional, social).
É um bilhete de segregação ou ostracização passado pelo mundo.
É um atestado de desvalorização, um semáforo alertando à complacência, ao "encolher de ombros", ao descaso dos demais...porque, afinal, esse indivíduo (que até foi "bom", até foi capaz, até deu provas, até deu a sua prestação válida...)ficou velho...aproximou-se do "fim do prazo".
Tornou-se "invisível"(quase sempre), passou a "incomodar" quando resolve pensar que ainda é novo, "estorva" se acha que ainda tem "lugar", "cansa" quando repete dez vezes as mesmas coisas, fica "impertinente", "ridículo", se se concede "direitos" atribuíveis aos novos.

As duas fases da vida...

Na primeira, ganha-se, conquista-se, pode-se, rema-se contra ventos e marés implacáveis.
Na primeira, tudo ou quase tudo se adquire... a família, os amigos, os êxitos, os amores, os sonhos, os creres...
Na primeira, é-se belo, escorreito, perspicaz, inteligente, sagaz, lutador...
mas também reconhecido, valorizado, desejado...aceite e solicitado...

Na segunda, tudo ou quase tudo nos escapa das mãos...
Os pais deixam-nos órfãos, os familiares vão indo, os filhos partem à vida, os amores, na grande generalidade fazem malas, porque nunca são p'ra vida inteira...as realizações pessoais passam p'ra gaveta das recordações, os "vinis" que não acompanharam as tecnologias, bafiam nas prateleiras, os sonhos que não realizámos remetem-se à galeria de tudo o que não chegou a ser...as fotografias com que nos "embrulhamos" em desespero, nunca mais trazem o que com elas queríamos reacordar...
Só os livros nos são fiéis, porque as letras ficam lá, mas nem a forma com que os dissecamos é a mesma, porque os nossos olhos também não...
Até o sol parece estar sempre a descer no nosso horizonte...

E a injustiça é de tal monta, que até os Óscares das nossas vidas (se nos apanham distraídos), resolvem tentar desertar!!...

Anamar

3 comentários:

Anónimo disse...

As melhoras do bichano...
Um beijinho à dona.

Maria Romã

Anónimo disse...

Que coisa tão fofa.
Realmente quanto mais conhecemos os homens...Mais gostamos dos animais.
Um bom fim de semana, e as melhoras do Oscar.
E descanse também que bem precisa.
Bj
Lia

Anónimo disse...

Tão triste, Anamar...
Bjs...bastantes.
Lenaspace