sábado, 29 de novembro de 2008

"DEMASIADO ÓBVIO..."


O Natal avizinha-se;
Dezembro está aí, e apesar dos dias terem continuado lindos com aquele céu limpo e aquele sol de Inverno, cuja luminosidade não tem parceiro em todo o ano, o frio instalou-se e hoje, uma chuva copiosa chegou...
E não adianta pensarmos que não...as férias do Verão já pertencem às "calendas gregas" e no entanto...foram só ontem!!

A vertigem do tempo é por demais notória;
os dias correm num piscar de olhos; as estações sucedem-se, o Natal é logo o "day after" da Páscoa e por aí fora!...
Até as crianças de hoje têm já uma sensibilidade muito concreta em relação ao vórtice do tempo. É vulgar que digam com alguma surpresa, que "já é sábado outra vez"!...

Passei ontem no jardim da terra onde vivo;
um jardim de Outono, nos seus laranjas-ocre meio despidos, em árvores e arbustos;
um jardim "despenteado" pelo despudor de um ventinho cortante, que há muito já "correu" com os "habitués" do espaço.

Pelo chão das alamedas de bancos vazios, as folhas dos plátanos, agora castanhas, eram arremessadas de "andas para bolandas", em remoinhos a despropósito.

Passei em passo estugado, porque a temperatura do ar não se compadecia com tempos de paragem e de contemplação.
Passei, mas deu para ver...Não só olhar, mas também ver...

Num dos bancos agora desertos, encontrava-se uma mulher, uma mulher idosa e só.
Pelas roupas que a vestiam, percebiam-se-lhe os anos e as dificuldades duma vida madraça.
Era um rosto desbotado, inexpressivo, ausente ou indiferente..."apagado", diria.

Parecia não se dar conta, nem do frio que fazia, nem dos transeuntes que passavam (aceleradamente, é verdade), mas passavam...

Junto de si tinha os restos do que fora um molho de agriões ou espinafres, de que alguém retirara já a folhagem aproveitável, tendo deitado os pés, para o contentor do lixo, como desperdício.

Aquela mulher, afanosamente "catava" os resquícios das folhas verdes, ainda deixados presos nos caules.
Cirurgicamente retirava cada pedacinho, com uma delicadeza e cuidado que me emocionaram. Rigorosamente confirmava que já nada restava nos talos, quase com ternura, com desvelo, como se entre as mãos tivesse ainda um tesouro...

Discretamente perdi-me ali por alguns minutos...os suficientes para as lágrimas teimosas me correrem...

Não vou aqui referir a catadupa de sentimentos que me invadiram...
Não vou aqui referir a tristeza ou a raiva que senti, face àquela imagem bem na minha frente.
Não vale a pena ser demagógica e desnecessariamente objectiva, para falar de coisas como a velhice, a solidão, a tristeza...
Lugares comuns como a pobreza, sobretudo aquela que se flagra, envergonhada, nos bancos de um jardim de Inverno...aquela que transforma em sopas, "tesouros" imundos de contentores de lixo...
Não vou aqui falar das assimetrias sociais, da exclusão, das injustiças, dos sonhos sonhados, do direito à dignidade de todos os cidadãos...
Nem tão pouco do sofrimento, inerente a classes e a faixas etárias sem poder reivindicativo.
Gente, e é muita, que vive em completo abandono e ostracização familiar e social.

Não vale a pena falar;
todos o sabemos e corria apenas o risco de repetir inquietações, de tornar enfáticos sentimentos experimentados por muitos de nós, preocupações e males estares que nos atravessam o quotidiano, sem que possamos alterar o que quer que seja...

Deixei aqui apenas este desabafo, sem veleidades de ter descoberto a "pólvora"...apenas porque a imagem daquela mulher, com a solidão no peito, com a tristeza nos olhos e com uma sopa sonhada, na mente, me perturbou por demais...

Anamar

1 comentário:

Anónimo disse...

olá, Anamar

Aqui estou a ler-te, a ler "apenas porque a imagem daquela mulher, com a solidão no peito, com a tristeza nos olhos e com uma sopa sonhada, na mente, me perturbou por demais...".
Pois é, minha amiga, os dias que correm fazem-te, fazem-me e a outros mais, como nós, fazem-nos apertos no coração.
Este nosso Portugal está a ficar tão vil para o povo, sobretudo para os mais fracos!
Um país onde as desigualdades se avolumam, onde os pobres estão mais pobres e os ricos mais ricos. Onde a indiferença se instala, soberana.
Em que as dificuldades começam a ser tão grandes que, cada um, fica sem tempo e sem vontade para olhar à volta.
Um país que se vê novamente de cores cinzentas a lutar contra o autoritarismo de um governo cego, desumano e incompetente.
Um país que está a precisar de um novo 25 de Abril!
Bj
Lenaspace